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‘Repactuação injusta não vai calar nosso grito’

Ato em Mariana cobra reparação justa após nove anos do crime da Samarco/Vale-BHP

“Quando rompeu a barragem, levou em média cinco dias para chegar até o nosso território. E foi devastador, perdemos nossa lavoura, a pesca, perdemos nosso futuro, e a repactuação foi mais uma violência contra os atingidos”. O depoimento da ribeirinha e militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Varnes de Santana Moura, descreve as injustiças vividas pelas comunidades impactadas pelo crime socioambiental da Samarco/Vale-BHP no decorrer de nove anos de impunidade.

Excluídos das negociações do acordo de repactuação pelo crime socioambiental Samarco Vale-BHP, firmado na última sexta-feira (25), em Brasília, os atingidos mobilizam um ato nesta terça-feira (5), data do rompimento da barragem de rejeitos de minério da mineradora em Mariana (MG).

Residente de uma comunidade ribeirinha situada às margens do Rio Doce, em Marilândia, noroeste do Estado, Varnes critica a falta de responsabilização das mineradoras e afirma que a repactuação conduzida em sigilo, sem a participação dos atingidos, não vai indenizar de forma justa os danos causados, não apenas materiais, mas também sociais e emocionais, que persistem ao longo dos anos.

“Quem contaminou nossos territórios foram as mineradoras, a Vale, a BHP e a Samarco. As empresas aplaudiram esse acordo, mas e nós? Como vamos sobreviver? Nossa luta vai continuar, esse crime não pode ficar impune. Foram 19 pessoas mortas no momento do rompimento, mas depois muitos perderam a vida. Então esse ato quer dizer que essa repactuação foi muito injusta e não vai calar nosso grito”, protestou.

Em memória dos nove anos do crime socioambiental, o ato por reparação integral e justa para as comunidades afetadas marca um novo momento na luta por direitos. O coordenador do MAB no Espírito Santo, Heider José Boza, destacou que a mobilização visa fortalecer a luta e a organização popular, para avançar nas insuficiências do acordo, como as indenizações individuais e a exclusão de áreas não reconhecidas, entre elas parte do litoral capixaba e o sul da Bahia.

Segundo o MAB, embora o lucro líquido somente da Vale nos últimos anos tenha sido de R$ 260 bilhões, as empresas criminosas querem que os atingidos recebam apenas indenizações que não correspondem à dimensão dos danos sofridos.

MAB

Além disso, o movimento busca garantir as conquistas do acordo. “O intuito é apontar as insuficiências e a luta que vem seguindo, para fazer chegar aos atingidos o que entendemos como sendo as conquistas, como o reconhecimento do direito à saúde, com a criação de um fundo perpétuo; o fundo para mulheres vítimas de discriminação de gênero durante o processo reparatório; e o Fundo Popular da Bacia do Rio Doce, por meio do qual os atingidos poderão construir as propostas para recuperação”, destacou.

O MAB também reitera as criticas ao processo de exploração da natureza pelo setor privado, que deixa as populações vulneráveis a desastres ambientais. “O crime em Mariana e todas as violações decorrentes dele é resultado direto do processo de privatização, que explora todo povo brasileiro, se apropria de nossas riquezas e beneficia exclusivamente o sistema financeiro e a ganância do grande capital”, destaca.

Consequências gigantescas

Em 5 de novembro de 2015, o rompimento da barragem de Fundão provocou um fluxo devastador de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração, que resultou na morte de 19 pessoas, devastou comunidades e impactou mais de 2,5 milhões de pessoas em três estados da federação. Os rejeitos avançaram 55 km do rio Gualaxo do Norte e outros 22 km do rio do Carmo até desaguarem no Rio Doce, onde percorreu 684 km, e alcançou o mar no município de Regência, no Espírito Santo.

Com proporções gigantescas, as consequências provocadas pelo crime continuam a ser sofridas pelos atingidos após quase nove anos de injustiças, sofrimento e violações de direitos, entre eles a participação efetiva dos afetados no processo de negociação das reparações.

Além das mortes decorrentes do rompimento, prejuízos diretos à saúde física e psicológica, e danos ambientais e econômicos, somam-se a esses impactos a desestruturação social e política e perdas culturais e identitárias. Muitas comunidades tradicionais ficaram impossibilitadas de continuar suas práticas ancestrais, como a pesca artesanal, a coleta de plantas medicinais, e a produção de alimentos tradicionais, que são fundamentais para sua subsistência e modos de vida.

Antônio Cruz/ABr

Nenhum dos réus envolvidos no crime da Samarco/Vale-BHP foi punido criminalmente. Dos 26 acusados inicialmente, 15 foram excluídos da ação penal por decisões judiciais, e a lentidão do processo pode levar à prescrição dos crimes no sistema de justiça brasileiro. No entanto, os julgamentos internacionais na Holanda e na Inglaterra oferecem alguma esperança de resultados mais efetivos para a responsabilização das empresas e seus administradores.

A resistência dos atingidos mantém a luta por direitos e destaca a necessidade urgente de um modelo de desenvolvimento que respeite a sociobiodiversidade e promova a justiça social e a reparação integral para as comunidades e territórios impactados.

O acordo

A repactuação estabelece que as empresas responsáveis pelo crime pagarão um total de R$ 167 bilhões. Desses, R$ 95,5 bilhões serão transferidos durante duas décadas para os cofres da União, dos governos do Espírito Santo e de Minas Gerais e de 49 municípios afetados, com o objetivo de implementar políticas de reparação socioambiental. O primeiro pagamento, no valor de R$ 5 bilhões, está previsto para ocorrer ainda este ano, 30 dias após a formalização do acordo.

Além disso, as mineradoras têm um compromisso financeiro de R$ 31,5 bilhões destinados a ações de reparação direta, que incluem indenizações e suporte às comunidades afetadas. As empresas afirmam que investiram aproximadamente R$ 37 bilhões através da Fundação Renova, que foi criada para administrar as iniciativas de reparação e compensação, conforme estipulado no Termo de Transação e Ajuste de Conduta (TTAC).

Dos R$ 100 bilhões que deveriam ser alocados ao setor público, o governo planeja destinar R$ 1,5 bilhão para atender às “obrigações a fazer” das mineradoras, com o intuito de ajustar os valores das indenizações individuais, que foram revisados nas últimas atualizações do acordo. Com essa revisão, a indenização individual aumentou de R$ 30 mil para R$ 35 mil para os atingidos em geral, enquanto pescadores e agricultores receberão R$ 95 mil.

O acordo buscou renegociar o TTAC, firmado em 2016 pelas mineradoras, considerado pela Justiça como inadequado para garantir uma reparação justa, além de assegurar a recuperação ambiental das áreas impactadas pelo crime. No entanto, a conclusão da negociação deixou um rastro de vulnerabilidade e desesperança entre as comunidades, que continuam a amargar o agravamento contínuo das condições socioambientais provocadas pelo crime e denunciam a insuficiência da repactuação para obter justiça e recuperar condições dignas de vida.

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