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Sob protesto de atingidos, acordo de repactuação é assinado em Brasília

Modelo de reparação é considerado “ainda insuficiente” para garantia de direitos

O novo acordo de repactuação do crime da Vale/Samarco-BHP, prestes a completar nove anos no dia 5 de novembro, foi assinado na manhã desta sexta-feira (25) pelas mineradoras e pelos governos federal, do Espírito Santo e de Minas Gerais. A consolidação da negociação ocorre sob protesto dos atingidos, excluídos do processo, em descumprimento à Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB).

O valor da repactuação, a ser homologada pela Suprema Corte, pela Justiça Federal (TRF6) e pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) foi estimado em R$ 167 bilhões a serem pagos pelas empresas criminosas, dos quais R$ 95,5 bilhões deverão ser transferidos ao longo de vinte anos aos cofres da União, estados do Espírito Santo e Minas Gerais e 49 municípios afetados, para serem aplicados em políticas de reparação socioambientais. O primeiro pagamento, de R$ 5 bilhões, é previsto para este ano, 30 dias após a assinatura do termo.

As mineradoras ainda terão obrigações financeiras de R$ 31,5 bilhões para ações de reparação direta, incluindo indenizações e assistência às comunidades impactadas. Além desse montante, as empresas afirmam ter desembolsado cerca de R$ 37 bilhões por meio da Fundação Renova, criada para gerir ações de reparação e compensação, como parte do Termo de Transação e Ajuste de Conduta (TTAC).

Dos R$ 100 bilhões que seriam transferidos ao Poder Público de acordo com as últimas informações apresentadas pela Advocacia Geral da União (AGU), o governo destinará R$ 1,5 bilhão para as “obrigações a fazer” das mineradoras, para reajustar o valor das indenizações individuais, que foram revisadas nos últimos ajustes do acordo. Com essa mudança, o valor da indenização individual aumentou de R$ 30 mil para R$ 35 mil para atingidos em geral, enquanto para pescadores e agricultores, será de R$ 95 mil.

O novo pacto renegocia o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) firmado originalmente em 2016 pelas mineradoras, que foi avaliado pela Justiça como insuficiente para assegurar os direitos dos atingidos a uma reparação justa e satisfatória e para garantir a recuperação ambiental das áreas afetadas pelo desastre.

‘Ainda insuficientes’

Milhares de famílias ainda lutam para serem reconhecidas como atingidas e terem seus direitos garantidos no processo de reparação pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), em 5 de novembro de 2015, que liberou cerca de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração, devastando comunidades, contaminando o Rio Doce e afetando o litoral do Espírito Santo. O crime socioambiental resultou na morte de 19 pessoas, contaminou 684 km do rio Doce e atingiu mais de 2,5 milhões de pessoas em três estados da federação.

Antônio Cruz/ABr

Em nota, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) reconhece a relevância do novo acordo e ressalta que a luta popular dos atingidos e das forças aliadas, em toda Bacia do Rio Doce e litoral capixaba, possibilitou avanços em relação à proposta apresentada em 2022, de R$ 132 bilhões, que “teria sido extremamente prejudicial ao povo”.

Entre as conquistas ressaltadas pelo MAB, após quase nove anos de injustiças, sofrimento e violações de direitos, estão o protagonismo do Estado na condução do processo de reparação, que exclui as empresas do contato direto com as vítimas; a criação de fundos específicos para povos indígenas, quilombolas, mulheres, pescadores e agricultores familiares; e a implementação de ações em saúde, incluindo um fundo perpétuo, continuidade da assessoria técnica independente, políticas de saneamento, recuperação econômica, um fundo para enchentes, infraestrutura e a abordagem de questões ambientais.

Apesar disso, o MAB enfatiza que esse montante e os valores da repactuação ainda são insuficientes para garantir a reparação integral dos direitos dos atingidos. Estima-se que cerca de 300 mil pessoas sejam elegíveis para indenizações, mas a proposta não reflete a realidade dos danos e do sofrimento enfrentados pela maioria das famílias afetadas, alerta o movimento. Além disso, muitos grupos ainda buscam o reconhecimento como atingidos e não conseguiram acessar indenizações ou programas de assistência.

No Espírito Santo, o coordenador do MAB, Heider José Boza, destaca que famílias em áreas reconhecidas, como Linhares e Colatina, até hoje enfrentam obstáculos para comprovar os danos que sofreram, permanecendo excluídas do acordo e sem acesso a seus direitos. Além disso, comunidades pesqueiras em locais como Jacaraípe, Manguinhos e Carapebus, na Serra, Ilha das Caieiras, São Pedro e o Mercado da Vila Rubim, em Vitória, localizadas ao sul da Deliberação 58, que reconhece o litoral capixaba até Nova Almeida como atingido, também continuam sem a garantia de reparação.

O MAB mantém a reivindicação por participação na implementação do acordo, denunciando a inadequação dos valores propostos para as indenizações individuais. Além disso, reafirma seu compromisso de lutar pela responsabilização criminal das empresas envolvidas.

“Neste sentido, a luta segue por indenizações justas, seja na justiça brasileira, junto aos governos e nas cortes internacionais, como no caso da ação inglesa que está sendo julgada em Londres, neste momento”, afirma a nota, que convoca a população a se unir à luta dos atingidos, culminando em um ato em Mariana no dia 5 de novembro, para reafirmar o compromisso com a justiça e os direitos dos atingidos.

Recursos estaduais

Dos R$ 167 bilhões envolvidos no acordo de repactuação, R$ 40 bilhões serão aplicados pelo Governo Federal e Governo do Estado diretamente em território capixaba. A gestão estadual ficará responsável pela gestão de R$ 17 bilhões destinados ao Espírito Santo, com prioridade para compensação dos atingidos e recuperação do meio ambiente.

Após a cerimônia de formalização do pacto, o governador Renato Casagrande enfatizou que o acordo proporcionará ao Espírito Santo condições para implementar “medidas significativas” de recuperação e desenvolvimento. “Primeiro, medidas de recuperação ambiental, para a gente poder reflorestar, fazer saneamento básico, recuperar nascentes”, afirmou.

Giovani Pagotto/Secom

O chefe do executivo estadual capixaba destacou que o acordo possibilita ao governo federal indenizar as vítimas do crime e anunciou um investimento de R$ 2,3 bilhões nas BR-262, com a possibilidade de alocar mais recursos para obras na BR-259 e investimentos em municípios da bacia do Rio Doce e comunidades litorâneas.

A assinatura do termo de repactuação foi realizada no Palácio do Planalto e contou, além de Casagrande, com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva; o presidente do STF, Luís Roberto Barroso; o governador de Minas Gerais, Romeu Zema; e membros da Advocacia Geral da União e do Ministério Público, além de lideranças de movimentos em defesa dos atingidos pelo crime.

Serão investidos R$ 450 milhões no Plano de Reestruturação da Gestão da Pesca e Aquicultura; R$ 1 bilhão em medidas de resposta a enchentes, desastres naturais e recuperação ambiental; R$ 2,3 bilhões para a duplicação da BR-262; e R$ 3,46 bilhões em saneamento.

De acordo com o governador Renato Casagrande, para a reparação ambiental, R$ 3 bilhões serão destinados a iniciativas estaduais voltadas para a melhoria da qualidade ambiental e o fortalecimento dos serviços públicos na Bacia do Rio Doce e no litoral norte do Espírito Santo.

Na área da saúde, serão alocados R$ 260 milhões para a construção da nova Maternidade Silvio Avidos em Colatina, na região noroeste, e para a compra de equipamentos. Além disso, outras iniciativas de saúde pública, em nível estadual e municipal, receberão apoio financeiro da União por meio do Programa Especial de Saúde – Rio Doce.

O acordo destina R$ 6,593 bilhões para projetos na Bacia do Rio Doce, no litoral norte e em Anchieta, permitindo que até 20% desse valor (aproximadamente R$ 1,2 bilhão) seja investido fora da bacia. Os municípios beneficiados serão: Afonso Cláudio, Águia Branca, Alto Rio Novo, Anchieta, Aracruz, Baixo Guandu, Brejetuba, Colatina, Conceição da Barra, Fundão, Governador Lindenberg, Ibatiba, Ibiraçu, Itaguaçu, Itarana, Iúna, Jaguaré, João Neiva, Laranja da Terra, Linhares, Mantenópolis, Marilândia, Nova Venécia, Pancas, Rio Bananal, Santa Teresa, São Domingos do Norte, São Gabriel da Palha, São Mateus, São Roque do Canaã, Serra, Sooretama e Vila Valério.

Os municípios situados na calha do Rio Doce também receberão repasses conforme critérios do Consórcio dos Municípios (Coridoce), com adesão voluntária, para desenvolver iniciativas municipais e substituir ações da Fundação Renova, além de R$ 1,43 bilhão para investir em políticas ambientais, geração de emprego e renda, agropecuária, cultura e turismo, infraestrutura, mobilidade, urbanização, fortalecimento do serviço público, educação, saúde e saneamento. Os municípios elegíveis incluem Aracruz, Anchieta, Baixo Guandu, Colatina, Conceição da Barra, Fundão, Linhares, Marilândia, São Mateus, Serra e Sooretama.

Em entrevista coletiva após a cerimônia de formalização do acordo, o governador abordou a proibição da pesca na região e a necessidade de monitorar a qualidade da água antes de considerar qualquer alteração nessa decisão. Ele destacou que, apesar da proibição em vigor, o foco deve ser no acompanhamento contínuo e na análise da situação. “Nós não defendemos a liberação, queremos um monitoramento contínuo para poder ir verificando a qualidade da água”, afirmou.

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