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‘Coração do hospital’, enfermagem do Himaba tem salários reduzidos por nova OSS

Nem insalubridade de 40% é garantida. Instituto Acqua alega custos mais altos com o Anexo de Covid, inaugurado em abril

Rodrigo Araújo/Governo ES

Salários menores, extinção da folga mensal e do horário especial de entrada e saída para quem tem dois empregos, incerteza sobre pagamento da insalubridade. As atuais condições de trabalho do Hospital Estadual Infantil e Maternidade Alzir Bernardino Alves (Himaba), em Vila Velha, estabelecidas pelo Instituto Acqua, estão trazendo grande insatisfação aos técnicos de enfermagem e enfermeiros. Mas, mesmo diante dos pedidos feitos diretamente à nova direção, a situação não apresentou ainda qualquer horizonte de melhora.

À indignação soma-se o medo de represálias, por isso, as informações objetivas sobre as perdas financeiras e benefícios foram repassadas a Século Diário mediante garantia de anonimato da fonte, pois, entre os funcionários, circulam informações de pessoas que foram desligadas do hospital após exigirem melhores condições de trabalho à nova Organização Social de Saúde (OSS) que assumiu a gestão do Himaba.


O áudio de uma reunião realizada na última terça-feira (27) mostra que o diálogo entre o Acqua e os funcionários se dá sob a máxima de “é pegar ou largar” e “se não quer, tem quem queira”. Durante meia hora, entre vozes femininas de chefes e subordinadas da Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal (Utin) e Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (Utip), sobressai a de um homem que se identifica como Eric e que está “assumindo a função de diretor do hospital”.

A ele são encaminhados os questionamentos das equipes técnicas. Em mais de uma vez, o Dr. Eric, como é conhecido pelos funcionários, diz que “o que o Acqua consegue oferecer” é garantia do emprego (“todos que optarem por ficar, ninguém vai ser demitido nesse momento”). Já o salário, “não vai ser o mesmo, mas se você incorporar o plano de saúde e o seguro de vida, chega muito próximo do que era praticado”.
A comparação é em relação aos valores pagos pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) durante os dois meses em que assumiu a gestão direta do hospital, por meio de uma intervenção no contrato estabelecido com a OSS anterior, o Instituto Gnosis. O motivo da intervenção, explicou o secretário de Estado da Saúde, Nésio Fernandes, em pronunciamento na época, foi o “descumprimento de cláusulas contratuais e do risco de desassistência e descontinuidade do serviço no hospital Himaba, em Vila Velha”.

Nesse período, a Sesa pagava aos técnicos de enfermagem o salário de R$ 2,2 mil, mais R$ 220 de insalubridade, totalizando R$ 2,4 mil. Já a Acqua, estabeleceu R$ 1,6 mil mais R$ 230 de insalubridade, cerca de 25% menos. A Gnosis pagava R$ 1,3 mil de salário, mais gratificação de R$ 279 e a mesma insalubridade. Ajustando os descontos de vale-transporte, no entanto, a Acqua fica um pouco abaixo também da Gnosis.

Uma das perguntas das funcionárias questiona o porquê do não pagamento de 40% de insalubridade, apesar da previsão legal. “Porque é o que eu tenho à disposição hoje”, responde o diretor.

Rodrigo Araújo/Governo ES

Segundo o Dr. Eric, o motivo dos salários menores está no Anexo Covid, entregue pelo governador Renato Casagrande na última sexta-feira (30). Construída pelo Departamento de Edificações e de Rodovias (DER-ES), a obra é resultado de um investimento de R$ 9,6 milhões, R$ 5,6 deles destinados pelo governo do Estado para aquisição de equipamentos.

São 30 leitos adultos exclusivos para o atendimento a casos de Covid-19, sendo 15 de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). A previsão é de que mais 15 leitos de UTI e 27 de enfermaria Covid-19 sejam entregues ainda em maio. “O novo espaço terá acesso independente da unidade pediátrica, assim como equipe médica e assistencial diferentes. O acesso aos leitos será via Regulação Estadual e/ou pelo Samu 192”, informou a Sesa.

O diretor afirma que a princípio o anexo manteria o atendimento pediátrico já prestado pelo hospital, mas em função da pandemia e a necessidade de expansão de leitos para adultos, foi transformado em “covidário”. “O custo do covidário é muito maior e acaba consumindo parte do contrato [com o governo do Estado]”, afirma, sendo então decidido pelo arrocho dos salários da enfermagem.

Valorização
Na metade da reunião, uma das técnicas volta a argumentar pela necessidade de valorização da equipe técnica. “Eu acho que o senhor já sabe que a nossa Utin é de complexidade, a gente recebe bebês cardiopatas, é um serviço diferenciado pela complexidade. E as pessoas que trabalham ali têm que ter uma destreza muito grande. Quando foi passado esse valor agora à tarde, fazendo os cálculos, retirando o INSS e vale-transporte, vai ser um salário menor do que o que a gente recebia com a Gnosis. Para desenvolver um trabalho da complexidade que a gente desenvolve, é desmotivador. Porque o nosso trabalho ali, a delicadeza com os nossos bebês, tanto os prematuros e cardiopatas, é um serviço diferenciado. A gente quer saber a possibilidade de ter algo a mais”.
Em outra argumentação, a funcionária menciona colegas que “pediram conta de outros serviços”, dando preferência ao Himaba, além de “muita gente vindo trabalhar de Uber, porque o transporte [ônibus Transcol, prometido pelo governo do Estado para levar os trabalhadores da saúde às suas unidades de trabalho em toda a Grande Vitória durante a quarentena, quando houve suspensão do transporte coletivo para a população] não passa em alguns bairros”, sendo que o pagamento do Uber tem sido feito pelos próprios funcionários. “Nós somos o coração do hospital, nós não paramos”, expõe a funcionária.

O diretor então nega que o hospital irá custear as despesas de transporte de quem ficou sem ônibus durante a quarentena.  “O seu direito é que eu lhe dê vale-transporte, e eu vou te dar. Se não tiver o transporte público pra você vir, eu não tenho como ter ônibus pra trazer vocês. A gente vai avaliar caso a caso quem vai poder ser abonada aquela falta ou meia-falta ou chegou mais tarde”. O Acqua, afirmou o diretor, está “seguindo todas as normas trabalhistas, as convenções trabalhistas de cada profissional”, “não fugindo a nada do que a lei determina”.
Sobre a folga mensal concedida pela Sesa, o instituto irá verificar o que dizem as convenções trabalhistas. Sobre o horário especial de entrada e saída para os que possuem dois empregos (saindo cerca de meia hora antes, para não chegar atrasado no segundo emprego, compensando isso com a chegada meia hora mais cedo no Himaba, ou vice-versa), a decisão ficará a cargo de avaliações individuais, caso a caso. E os 40% de insalubridade para os que trabalham em “setor fechado” como a Utin e Utip, será alvo de análise por um técnico de segurança do trabalho.

“Num prazo de quatro meses a gente senta com uma comissão e tenta rever os salários, se já pudermos desestabilizar esse ‘covidário’ e vamos ver com o Estado a possibilidade de repor aquilo que eles mesmos estavam pagando para vocês. Eu me comprometo a conversar com as chefias todas para saber se posso manter essas folgas”, resumiu o Dr. Eric, voltando a oferecer o plano de saúde e o seguro de vida, sem afirmar, no entanto, qual percentual desses custos será descontado dos salários e qual será pago pelo Acqua.

Já no final da reunião, o diretor declara que “a qualidade do serviço de vocês, eu de forma alguma estou questionando. A importância de vocês jamais vai ser questionada, mas hoje o que eu tenho para seguir é a lei, e a lei me diz que cada profissional tem uma convenção trabalhista, que eu estou respeitando. Quem quiser ficar, essas são as condições que eu tenho hoje e garanto contratar todo mundo que quiser ficar. Quem não quiser, nos avise para poder fazer as substituições”.
Hélio Filho/Secom

Maior responsabilização das OSs

Por ocasião da intervenção feita no Himaba no final de fevereiro, o secretário Nésio Fernandes afirmou que “o marco legal precisa ser atualizado, nós precisamos caminhar para um maior grau de responsabilização individual dos gestores das OSSs” e que “nós entendemos que o modelo de gestão sobre OSSs do Brasil enfrenta há muitos anos uma grave crise. E o Espírito Santo trabalhará para mudar a legislação do modelo. Nós estamos trabalhando na atualização da lei estadual que trata do modelo de gestão por organizações sociais porque, de fato, com o atual marco legal e a forma como se operam os contratos pelas OSs, implica num alto risco, não somente para o Estado, para a população, mas também para as próprias OSSs”.

A declaração aborda uma questão que vem sendo noticiada por Século Diário desde o início do primeiro pico da pandemia de Covid-19, em junho de 2020, quando mencionou os elevados lucros obtidos pelas OSSs em todo o Brasil, sem que haja sequer a prática regular de auditorias sobre o cumprimento dos contratos, favorecendo seguidos casos de desassistência à população e recontratações de OSSs envolvidas em corrupção, inclusive em território capixaba.

O Himaba é um dos hospitais com mais problemas consecutivos com esse tipo de gestão, onde a falta de insumos, medicamentos e más condições de trabalho são uma constante, causando também atendimento deficitário à população, como ficou demonstrado na morte de quase 30 bebês em menos de três meses no final de 2017, tragédia denunciada com exclusividade por Século Diário. 

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