Dados da Sesa apontam notificação de mais de mil novos casos de HIV neste ano
Apesar de as políticas de enfrentamento ao HIV/Aids registrarem avanços nos últimos anos no Espírito Santo, ainda enfrentam obstáculos que impactam especialmente os jovens. O alerta é da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids (RNP+), que aponta o estigma, a desinformação e a falta de atenção à saúde mental como barreiras permanentes para o tratamento e a prevenção.
De acordo com Thiago Rodrigues, vice-representante estadual da RNP+, a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) tem caminhado, ainda que de forma lenta, na ampliação da PrEP nos municípios capixabas. Atualmente, com base em dados da rede, apenas cerca de 8% das cidades capixabas oferecem o método preventivo na atenção primária – o equivalente a pouco mais de seis municípios. “É um avanço tímido, considerando que o Espírito Santo é um estado pequeno. Justamente por isso, o acesso deveria ser mais rápido e abrangente”, pontua.
Entre os avanços técnicos, a rede destaca também a adoção do Dovato, um medicamento de dose única diária, indicado para pessoas com HIV a partir de 35 anos. O esquema simplificado reduz os efeitos colaterais e melhora a adesão ao tratamento, explica Thiago. “É um avanço importante que vem de uma nota técnica nacional, mas que já vem sendo implementado gradualmente nos municípios capixabas”, avalia.
Outro ponto positivo é a elaboração de uma linha de cuidado específica para lipodistrofia – condição relacionada à redistribuição de gordura corporal causada por alguns antirretrovirais – e o preenchimento facial de pessoas com HIV. As duas demandas, antigas reivindicações do movimento, estão em fase final de encaminhamento pela Sesa, segundo a RNP+.
Apesar desses passos, a rede chama atenção para as desigualdades regionais e para casos de desmonte de políticas municipais, como o ocorrido em Linhares, no norte. “O município desestruturou o serviço de HIV e Aids. Faltaram até tubos de ensaio para coleta, o que obrigou a gestão local a pedir emprestado de outras cidades”, denuncia Thiago. “Há lugares que seguem a política com comprometimento, como Vitória, mas em outros territórios o retrocesso é nítido”, pondera.
Para Isaque Oliveira, coordenador estadual da Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Vivendo com HIV/AIDS (RNP+ Brasil/ES), o maior obstáculo para essa população continua sendo o preconceito e a exclusão social. “No mercado de trabalho, na família, nos relacionamentos…quando descobrem que você vive com HIV, ainda há muito afastamento e ignorância. E as pessoas não entendem a diferença entre HIV e Aids”, afirma.

Ele explica que o desconhecimento alimenta o medo e dificulta o tratamento. “Quem vive com HIV, se está em tratamento e tem carga viral indetectável, não transmite o vírus. Mas a falta de informação faz com que muitos jovens abandonem o acompanhamento por medo da rejeição”, pontua.
O estigma, segundo ele, tem consequências diretas na saúde mental. “O jovem está em uma fase de construção – pessoal, social e financeira. Quando vem o diagnóstico, ele pode sentir que a vida acabou. Acompanhamos muitos casos de depressão e até tentativas de suicídio. Por isso, a rede atua em ações de acolhimento e escuta, buscando mostrar que “o HIV não paralisa a vida de ninguém”.
Segundo dados parciais da Sesa apresentados em reunião com a RNP+, foram notificados mais de mil novos casos de HIV neste ano, até o último mês de setembro, número que deve ultrapassar a média dos últimos anos. A faixa etária entre 15 e 29 anos continua sendo a mais afetada, especialmente entre homens bissexuais e homens que fazem sexo com homens (HSH).
“Pela primeira vez, as notificações entre homens bissexuais superaram as de homens heterossexuais, o que mostra uma mudança importante no perfil epidemiológico”, observa Thiago Rodrigues. Mulheres bissexuais também aparecem entre os grupos com maior crescimento nas notificações. Já entre pessoas idosas, há um aumento de novos diagnósticos, o que reforça a importância da prevenção e da testagem em todas as idades.
Mesmo com avanços, ele avalia que o Estado ainda está distante de alcançar as metas 95-95-95 definidas pela Organização das Nações Unidas (ONU), que preveem 95% das pessoas com HIV diagnosticadas, 95% dessas em tratamento e 95% com carga viral indetectável. “A Sesa apresenta dados próximos disso, mas na realidade a gente vê muito mais pessoas fora da adesão. Falta cuidado com a saúde mental e espaços de apoio que mantenham essas pessoas em acompanhamento”, afirma Thiago Rodrigues.
Ele destaca que os serviços ainda são marcados por silêncio e constrangimento. “Tem gente que vai buscar a medicação com o rosto coberto para não ser reconhecida. Os CTAs [Centros de Testagem e Aconselhamento] ainda são lugares onde ninguém se olha, ninguém conversa. O estigma continua forte, e isso mostra que é preciso investir também em informação”, pontua.
A Rede promove a cada dois anos encontros nacionais com apoio da Secretaria de Estado da Saúde, além de realizar encontros específicos voltados a adolescentes e jovens entre 15 e 29 anos. O próximo evento da Rede Jovem no Estado está marcado para os dias 15 e 16 de novembro, com o tema “Convivendo” – e, pela primeira vez, será aberto também a pessoas que não vivem com o vírus.
“A ideia é que ninguém precise se identificar. Vamos discutir temas diversos, e quem quiser falar sobre sua sorologia, fala. É um espaço para fortalecer e mostrar que a vida continua”, descreve Isaque. Os encontros também são momentos de formação, troca de experiências e eleição da coordenação estadual da rede. “Trabalhamos junto com o Estado, com os Centros de Testagem e Aconselhamento (CTAs) e com a coordenação de HIV/Aids para acolher pessoas recém-diagnosticadas e ajudar na adesão ao tratamento”, explica.

