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SARS-CoV-2 pode estar no ES desde novembro de 2019, indica estudo da Sesa

Investigação mostra como surtos de dengue, zika e chikungunya ainda ocultam casos de Covid-19 e vice-versa

Sesa

“Uma contribuição importante ao Sistema Único de Saúde (SUS) é que, independentemente de um diagnóstico positivo pra uma arbovirose [dengue, zika ou chikungunya], deve sempre ser considerada a infecção pelo SARS-CoV-2, uma vez que todas essas doenças apresentam sinais e sintomas muito semelhantes”. 

A conclusão, dita como orientação enfática ao SUS, foi declarada pelo diretor-geral do Laboratório de Saúde Pública do Espírito Santo (Lacen), Rodrigo Rodrigues, durante coletiva de imprensa realizada nesta terça-feira (12) ao lado do secretário de Estado de Saúde, Nésio Fernandes. 


Rodrigo Rodrigues disse que, mesmo com a confirmação da Covid-19 no Brasil, em 26 de fevereiro, e a decretação de pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de março, “muitos casos de SARS-CoV-2 continuaram sendo perdidos entre pacientes com suspeita clínica de arboviroses”.

A constatação, afirmou, indica que “a ocorrência de surtos concomitantes de dengue e chikungunya podem dificultar o diagnóstico do SARS-CoV-2” e que “esses casos de Covid não diagnosticados precocemente podem ter contribuído pra essa rápida expansão da doença no país, como foi observado entre março e maio de 2020”.

As novas conclusões constam no estudo “Casos ocultos de Síndrome Respiratória Aguda Grave por Coronavírus 2: um perigo obscuro, mas presente em regiões endêmicas para vírus da Dengue e Chikungunya”, já publicado em revista científica internacional, e que consiste num avançar da investigação iniciada pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) em meados do ano, com objetivo de conhecer melhor o comportamento do novo coronavírus no Estado.

Primeiro caso em novembro de 2019

Outra importante descoberta foi que, pelo menos com base nos dados levantados até o momento, o caso mais antigo de Covid-19 no Estado pode ter acontecido não em janeiro, em transmissão comunitária, como anunciado em agosto passado, mas sim no final de novembro de 2019.

A principal motivação para a investigação foi a observação de que em alguns bairros de Vitória, como São Pedro, Santo Antonio e Maruípe, os casos de chikungunya foram muito elevados entre entre o final do verão e o início do outono de 2020, mas que os casos de Covid-19 não eram detectados, ao contrário de outras regiões da região metropolitana, onde a escalada de infecções pela doença era elevada.

“Quando começamos a testar nesses bairros, com RT-PCR, percebemos que o número de casos de Covid-19 cresceu ‘do nada’, repentinamente”, conta Nésio Fernandes, sobre a origem das suspeitas de que a concomitância de arboviroses já conhecidas com Covid-19, no mesmo território e ao mesmo tempo, poderiam estar mascarando a detecção da pandemia de coronavírus.

“Doença que voce não suspeita, você não investiga. Como nessas regiões havia um crescimento grande de arbovirose, então ‘tudo é arbovirose'”, narra. Ou seja, se os casos suspeitos de dengue ou o chikungunya era confirmados, a investigação sobre Covid-19 não acontecia, e os casos cresciam sem o conhecimento das autoridades de saúde.

O contrário também aconteceu, havendo regiões em que as testagens positivas para Covid-19 fizeram arrefecer o diagnóstico das arboviroses, tendo sido registrada queda no número de casos de dengue e chikungunya em algumas localidades.

“No momento em que entrávamos na estação típica de doenças arbovirais, ao mesmo tempo surgia no mundo uma pandemia, que hoje chamamos de SARS-CoV-2. Por que, em alguns locais tradicionalmente hiperendêmicos pra dengue e chikungunya, o comportamento dessas arboviroses estava diferente em 2020?”, conta Rodrigo Rodrigues. “Casos de dengue e chikungunya foram muito aquém do esperado sazonalmente em várias regiões”, diz.

A matéria-prima das investigações são 7.370 amostras armazenadas na soroteca de arboviroses do Lacen, coletadas entre 1 de dezembro e 30 de junho, além de amostras do Centro de Hemoterapia e Hematologia do Espírito Santo (Hemoes). 
As testagens nas amostras armazenadas foi autorizada pela portaria nº 153-R, de 11 de agosto de 2020, sendo utilizada tecnologia ultrassensível, que permitiu a identificação dos anticorpos presentes mesmo em baixa concentração. “Com a disponibilidade tecnológica a partir de julho e agosto de testes de antígenos no nosso Lacen, nós então baixamos a portaria [nº 153-R], que determinou a obrigatoriedade de testagem para SARS-CoV-2 de todas as amostras presentes nas sorotecas de arboviroses do Laboratório”, conta Nésio Fernandes.

Das 7.320 amostras testadas para presença de anticorpos anti SARS-CoV-2, também foram positivas para algumas arboviroses um total de 5.472. “O anticorpo pesquisado para arbovirose foi IgM, que aparece mais precocemente, identificando uma fase aguda. No caso do SARS-CoV-2, foi pesquisada a presença de anticorpos IgG, que aparecem um pouco mais tardiamente”, explicou Rodrigo.

Dessas, 210 foram positivas para SARS-CoV-2, o que corresponde a 2,85% da população estudada. Entre essas 210 positivas, 79 amostras reagiram cruzadamente, ou seja, foram positivas também para outras arboviroses. Dessas 79,  em11 houve confirmação também para dengue e em 68 para chikungunya.

“Esses 210 incialmente suspeitos de arboviroses, possuíam também uma infecção por SARS-CoV-2, que ocorreu de forma oculta, ou até mesmo obscurecida por uma doença que estava em mais evidência”, destaca o diretor do Lacen. Muitas dessas 210 amostras foram colhidas antes de 26 de fevereiro de 2020, ou seja, antes do anúncio oficial do primeiro caso no Brasil.

A primeira delas foi oriunda de uma coleta feita em 18 de dezembro de 2019, o que indica que a infecção pode ter acontecido no final de novembro de 2019. “Como o IgG só atinge níveis detectáveis 15 ou 20 dias após a infecção, podemos sugerir que a exposição tenha ocorrido entre final de novembro e início de dezembro. Esse pode ser um caso ocorrido no Espírito Santo anterior ao anúncio da doença pelo governo chinês”, explica Rodrigo Rodrigues.

Outra amostra que chamou atenção é a de uma paciente que buscou o serviço de saúde com queixa de estado febril no dia 3 de fevereiro de 2020, e que testa negativo pra chikungunya. A mesma mulher retornou ao serviço de saúde três dias depois, com mais queixas, testando positivo pra chikungunya. Posteriormente, quando as amostras dela, armazenadas no Lacen, foram testadas pra SARS-CoV-2, de forma semelhante a primeira deu negativa e a segunda positiva. “Muito provavelmente, na primeira visita ao posto de saúde ela poderia estar no início da infecção pelo SARS-CoV, que leva ao aparecimento do anticorpo só vinte dias depois”, explana.

Pioneirismo

Investigações semelhantes, sobre a verdadeira origem das contaminações de Covid-19 têm sido feitas em outros estados e vários países do mundo, revelando, em alguns deles, que o vírus já havia infectado pessoas na Europa desde o início de 2019, por exemplo, meses antes do surto ser detectado em mercados de carnes de animais silvestres de Wuhan, na China. Alguns estudos são feitos a partir da análise de esgoto, que encontram vestígios do SARS-CoV-2 mais rapidamente que os testes com swab e sangue, e a preços muito mais baixos. 
O estudo capixaba, com amostras do Lacen e do Hemoes, é diferenciado. “Com essa abrangência e com amostras de pessoas que podemos identificar quem são e onde moram … é o primeiro”, avalia Nésio Fernandes.
Zika e mortalidade de gestantes

Um desdobramento desse estudo está sendo tratado com a Comissão Científica do Consórcio Nordeste para Combate ao Coronavírus, para investigar a relação entre a alta mortalidade de gestantes infectadas pelo SARS-CoV-2 em regiões com alta incidência de zika vírus, como algumas localidades capixabas e também de Pernambuco.

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