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Medida protetiva pedida por Íris sequer foi registrada pela Polícia e a Justiça

Autoridades atribuem falha ao sistema eletrônico da PC e PJe. Suspeito foi preso uma semana após o crime

O pedido de Medida Protetiva de Urgência (MPU) feito em outubro pela enfermeira e mestranda Íris Rocha de Souza, três meses antes de seu assassinato, sequer foi registrado pela Polícia Civil e a Justiça. A informação foi confirmada pelas autoridades que concederam coletiva de imprensa na tarde desta quinta-feira (18), logo após a prisão do principal suspeito do crime, o ex-namorado da vítima, Cleilton Santana dos Santos, de 27 anos, feita pela manhã, em uma ação conduzida pela Polícia Civil do Espírito Santo (PCES), por meio da Delegacia de Polícia (DP) de Alfredo Chaves.

Foto de Cleilton e Íris publicada em uma rede social da vítima em abril de 2023.

O delegado-geral da Polícia Civil (PCES), José Darcy Arruda, alegou a falha a um problema no sistema eletrônico das instituições. “Esse fato [o pedido de MPU, no boletim de ocorrência] foi registrado no mês de outubro. Estávamos implementando outro sistema na Polícia junto com o Sistema Judiciário, e infelizmente esse material não foi tramitado. De outubro até ontem, infelizmente a vítima não retornou à delegacia para informar se estavam acontecendo ou não mais situações nesse sentido”, relatou, acrescentando que já designou investigação da falha para a Corregedoria da Polícia Civil.

Segundo a PCES, Íris Rocha registrou o boletim de ocorrência no Plantão Especializado da Mulher (PEM) no dia cinco de outubro de 2023, relatando lesão corporal por parte do então namorado. Na época ela já estava grávida do agressor, em com aproximadamente cinco meses de gestação. A previsão era de nascimento da bebê era o próximo dia 20 de fevereiro.

Em nota, a PCES informa dados do Boletim de Ocorrência: “segundo o relato, a vítima e o investigado estavam conversando normalmente, quando o homem descobriu que a vítima havia omitido uma informação relacionada ao trabalho dela. Nesse momento, o autor aplicou o golpe chamado mata leão e a vítima desmaiou em cima da cama onde estavam. Ainda segundo o boletim, quando a vítima recobrou os sentidos, ela estava sentada no chão com o nariz sangrando e tossindo. Após o fato, a vítima compareceu ao Plantão Especializado da Mulher”, diz a nota, acrescentando que “o inquérito policial segue em andamento na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) de Serra”.

Para a socióloga e advogada Layla Freitas, pesquisadora do programa de Extensão e Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Fordan: cultura no enfrentamento às violências, as informações reforçam as análises que o Fordan vem realizando sobre falhas graves nas políticas públicas do Espírito Santo, que contribuem para os altos índices de feminicídio e outras violências contra a mulher. “O Estado e a Justiça têm sido omissos. A utilização de teleflagrante para atendimento de vítimas conduz ao reforço de uma violência e não considera a urgência dos casos e as vidas em risco. Infelizmente, hoje, o resultado é a morte de mais uma mulher e um bebê”, afirma.

Sua pesquisa sobre raça e gênero, realizada com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes), aponta soluções que passam pela “mudança do sistema utilizado pela polícia civil”, que precisa voltar a ser presencial e especializado nesse tipo de ocorrência, e pela criação de “um ambiente de acolhimento e fortalecimento” às vítimas. Essas medidas, ressalta, “são de máxima urgência para que nosso Estado não faça mais vítimas”.

Machismo

Também participaram da coletiva: a chefe da Divisão Especializada de Homicídios e Proteção à Mulher (DHPM), delegada Raffaella Aguiar; o chefe do Departamento Especializado de Homicídios e Proteção à Pessoa (DEHPP), delegado Ricardo Almeida; o secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa Social, coronel Alexandre Ramalho; a titular da Delegacia de Polícia de Alfredo Chaves, delegada Maria da Glória Pessotti; e o delegado Alexandre Passamani, da Subsecretaria de Inteligência da Sesp.

Divulgação/PCES

Em suas declarações, o secretário Ramalho chamou o suspeito de “monstro” e disse que o crime decorre, de certa forma dos “resquícios do machismo, onde o homem encara a mulher como sua propriedade”, presentes na sociedade. Pediu também, a todas as pessoas que souberem de situações de violência contra mulheres, que “denunciem profundamente, para que possamos intervir em tempo real e evitar que novos casos aconteçam”.

Contraditório, no entanto, o incentivo ao pedido de denúncia, quando é a própria estrutura policial e judicial que ignorou o pedido feita de viva voz por uma vítima de violência doméstica. “No Boletim de ocorrência em outubro ela diz que ele [o então namorado] a ameaçava com uma arma”, declarou a delegada de Alfredo Chaves, Maria da Glória Pessotti.

Investigação

A delegada explicou que sua unidade foi acionada no dia 11 de janeiro, por um telefonema dando conta de um corpo encontrado, coberto de cal, numa região de mata do distrito de Carolina, na zona rural de Alfredo Chaves, região serrana do Estado. O corpo foi encontrado no final da tarde daquela quinta-feira, sem apresentar rigidez cadavérica. O bebê, ressaltou, possivelmente ainda apresentava algum sinal de vida, mas , infelizmente, também não sobreviveu.

A perícia do corpo foi feita em Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Estado, e uma das pistas para identificar a vítima foi um cartão de banco encontrado no bolso dela, com um nome incompleto. Durante todo o final de semana, os policiais tentaram localizar a família, o que só foi possível com a ida de um policial de Alfredo Chaves até Vitória, que percorreu várias casas até encontrar a mãe de Íris.

A investigação sobre as causas e o autor do crime, explica, começaram então de fato apenas na segunda-feira (15). “Toda prova técnica que temos na polícia leva a crer que de fato o autor foi o ex-namorado dela”, afirma. A busca na residência dele ocorreu na quarta-feira (17), à tarde, com mandato judicial, quando ele estava ausente do imóvel, e foi feita a apreensão do veículo, que, avalia, “deve ter sido utilizado no crime”.

A delegada informou que Cleilton não era policial militar. “Ele se identificava como policial militar no bairro onde mora, mas ele não é. Não consegui sequer descobrir qual a profissão dele ainda, porque ele passava 24 horas por dia monitorando a vítima, num relacionamento completamente abusivo. Passava horas do lado de fora do local de trabalho dela, na Ufes, o telefone dela ficava com ele, que era quem respondia as mensagens”.

Redes Sociais

Íris Rocha Souza tinha 30 anos, era enfermeira e mestranda na Ufes, estava grávida de oito meses e tinha um filho de oito anos. As violências que sofria eram constantes, afirmou a delegada, com base em relatos de pessoas que a conheciam, ouvidas durante a investigação. “Ela vinha sofrendo agressões físicas. Só usava roupas de manga comprida para não mostrar as lesões, acredito, e às vezes apresentava o rosto lesionado”.

A investigação aponta para a ocorrência do crime na quinta-feira (11) pela manhã. Um dia antes, na quarta pela manhã, Íris ainda estava em Vitória. “Ele [o suspeito] saiu de Vitória [sozinho] na terça feira e foi para a região serrana. Na quarta-feira ele buscou ela na Ufes e levou para Alfredo Chaves. Encontraram o corpo na quinta-feira. O crime deve ter acontecido na quinta de manhã, porque encontramos no bolso dela uma nota fiscal de um supermercado de Vitória as oito horas da manhã. O veículo dele se encontrava lá no local”. Apesar da lavagem vip feita no veículo, que está apreendido, a polícia vai procurar se encontra mais provas, acrescentou.


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