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Estrelas na dieta

É tempo de carambolas, mas as que aqui frutificam não são tão doces como as nossas. Como o gorjeio daquelas aves… Acha-se no supermercado, mas caras e sem certificado de doçura,  portanto, melhor não correr riscos. Uma alma generosa tem um pé de carambolas no quintal, e me presenteia com uma farta sacola de frutas. Mais generosa ainda, me informa que carambola é rica em antioxidantes, potássio e Vitamina C, com pouco teor de açúcar.
 
 
Em sendo muitas, as mais maduras vão para a panela, relembrando tradições antigas, quando as casas tinham fogão a lenha e um pé de carambola no quintal… e de manga, de goiaba. O destino inevitável de tanta fruta era mesmo a sobremesa. Depois de lavar e retirar as finas arestas dos gomos, construo estrelas de quinta grandeza, não muito finas, não muito grossas. Com a adição de açúcar, mal necessário.
 
 
Deixo-as dormitar em fogo brando, chamado baixo pelos capixabas. Sem água, bem desnecessário, que ela provê a quantidade necessária ao cozimento. E como na transformação da água em vinho, dá-se o milagre. Minhas carambolas, de cor amarelo pálido, quando se casam com o açúcar sob o calor vagaroso da panela, produzem uma gloriosa reação química, criando uma calda espessa de um belo vermelho só encontrado nas telas de Rembrant. Vai ver, tinha ele carambolas no quintal.
 
Para incrementar ainda mais o doce arranjo, salpico algumas cabeças de cravo, uns poucos paus de canela. Nem digam que tais adições são supérfluas, por causa delas lutaram-se guerras sangrentas, e com sua aparência inocente mudaram a geografia e a história do mundo. Quem naqueles idos imaginaria essa radical transformação? Bem verdade que o ouro e o marfim também fizeram parte desse arranjo, mas não tiram o mérito dos nossos temperos.
 
 
Para chegar ao ponto certo, minhas mini-estrelas ficam todo o dia fermentando em fogo baixo, panela coberta para manter os fluidos positivos, como a lenta metamorfose da borboleta. O final esperado mas sempre surpreendente é um doce com sabor de cozinha de roça, aquelas com as paredes escuras por causa da fumaça das achas de lenha virando brasa. Tal alquimia não se obra em micro-ondas.
 
Doce bom é de fruta, feito com açúcar cristal ou mascavo. De abóbora, de mamão, de figo, de batata doce. O de laranja era feito com laranja da terra – ainda existe? Minha mãe fazia da polpa da laranja lima, numa paciência que se perdeu nesses tempos de Internet e TV digital. Aí a Nestlé inventou o leite condensado e, num efeito colateral, vieram as tortas e musses e pavês da cozinha moderna. 
 
 
Houve um tempo em que podíamos comer doces, regime era coisa de doente. Hoje as doçuras foram abolidos dos cardápios – pelo menos teoricamente – virando bode expiatório de um tipo de vida avesso à nossa constituição física. O pé-de- moleque deu lugar à alface, ninguém mais sabe preparar uma ambrosia. Mas continuamos sedentários… e engordando.

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