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Nos tempos do onça

Telefone fixo ou celular? Melhor andar um pouco e resolver no estilo presencial

Joguei fora o fogão e a geladeira, vendi o microondas. A televisão troquei por um rádio, daqueles grandões que se a gente cutucar muito acaba ouvindo um dos discursos do Getúlio Vargas, que começavam com o infalível Trabalhadores do Brasil… O bom velhinho foi um tremendo caudilho, matou e torturou mais brasileiros e brasileiras do que a gripe espanhola, mas se intitulava o Pai do Pobres. O povo aplaudia.

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Um tanque no lugar da lava-roupas, um varal no lugar da secadora. Telefone fixo ou celular? Melhor andar um pouco e resolver no estilo presencial. Os vizinhos estão reclamando da fumaça do fogão a lenha, mas meu único problema é rachar a lenha. Outro dia uma patrulha ecológica bateu à porta e corri para me enfeitar, pensando que vieram me dar uma medalha ou talvez uma indicação para o Nobel da Paz. Qual nada, vieram me informar que derrubar uma árvore era pior do que apertar um interruptor.
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Tudo porque decidi viver como nos tempos do onça. Manoel de Barros poetou em A namorada: “Havia um muro alto entre nossas casas / Difícil de mandar recado para ela / Não havia e-mail / O pai era uma onça.” O pai era uma pessoa normal, mas o poeta não mentiu, apenas usou uma expressão antiga para nos informar que o pai da garota era muito bravo. Mas há mais nuances no linguajar popular do que fumaça na Amazônia.
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Com o passar do tempo a expressão se desdobrou em significados outros. Na antiga revista O Cruzeiro, um sujeito chamado Carlos Estêvão, ou Péricles, criou o personagem amigo da onça, um mau caráter que não era amigo de ninguém. Publicada em página inteira e a cores, a charge fez sucesso por 17 anos ininterruptos, criando um novo tipo popular: era chamado de amigo da onça o espertinho que se divertia com a desgraça alheia.
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Mas o tempo do onça é bem mais antigo, remontando aos princípios da nossa colonização. Entre 1725 e 1732, um certo capitão Luís Monteiro governou o Rio de Janeiro com mão de ferro. Era autoritário e violento, portanto, político com defeito já era moda nesses antanhos – depois que se aboleta no cargo ninguém tira. O povo se vinga como pode, e no caso do irascível Monteiro, lhe tascou o apelido de onça: Cuidado que esse cara é uma onça.
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O mundo rodou, o sujeito se foi, mas a expressão ganhou vida própria e foi se adaptando – mutatis mutandi. Uma pessoa ruim e retrógrada é uma onça. O tempo também é um amigo da onça, trapaceia e nos confunde. Quando eu comprava picolé por um mil réis, o dito era usado para indicar algo obsoleto, muito antigo, como um fogão a lenha ou pendurar roupa na corda pra secar. Isso é do tempo da onça. Mas o vendedor da loja disse que agora é fashion. Esse vendedor deve ser amigo da onça.

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