“Estamos pagando uma conta que não é nossa”, desabafou Aldo Machado, líder da Cooperativa dos Apicultores do Pampa, após deixar um “diálogo participativo” promovido pelo Sindiveg – Sindicato da Indústria de Defensivos Vegetais, entidade que não aceita o rótulo de fabricante de agrotóxicos.
Em sua queixa-desabafo, Machado se referia à morte de abelhas melíferas provocada pela aplicação indiscriminada de venenos em lavouras de soja, problema nacional que se tornou agudo no Rio Grande do Sul em épocas de desenvolvimento das plantações.
Não é apenas no Sul que os apicultores perdem enxames e sofrem uma queda na produção de mel. Recuperam-se na safra seguinte, pois a regeneração dos enxames pode ser rápida (uma abelha vive 42 dias), se o apicultor tiver recursos e fizer o manejo correto das colmeias. Fica porém o buraco financeiro, problema que pode se agravar caso ocorram distúrbios climáticos que afetem a atividade das abelhas.
Sem contar os prejuízos financeiros, que nem são calculados pois não há a quem reclamar ou apresentar “a conta”, o que mais dói nos criadores de abelhas é a reiterada falta de respeito.
Os apicultores constituem o elo mais fraco da cadeia do agronegócio, cujo carro-chefe é a soja, que lidera a produção de grãos e exerce influência fortíssima na produção de carnes, na agroindústria e na logística de exportação.
Aos sojicultores estão ligados umbelicalmente:
1) os fabricantes de sementes e de pesticidas, hoje integrados em poucos grupos econômicos globais;
2) os fabricantes de máquinas e implementos agrícolas, também concentrados em poucas marcas;
3) os revendedores de insumos agropecuários (1500 lojas apenas no Rio Grande do Sul);
4) os prestadores de serviços de aviação agrícola;
5) os proprietários rurais que arrendam suas terras para profissionais da agricultura mecanizada;
6) os sindicatos rurais e suas respectivas federações.
Diante desse poderoso exército atrelado ao modelo norte-americano de agricultura, não é difícil entender a situação do elo mais fraco. Começa que a maioria dos apicultores depende da boa vontade dos proprietários rurais em ceder áreas para a instalação de apiários. Nem todos gostam de abelhas ou de apicultores, não dão valor ao mel ou à polinização executada pelas abelhas e alguns menosprezam a chance de receber 10% da produção de mel obtida em suas terras.
Ademais, há no Brasil um grande número de agricultores familiares cujas pequenas áreas não comportam mais do que duas ou três dezenas de colmeias. Se quiser produzir mais, o pequeno tem que proceder como os moradores de centros urbanos que levam suas caixas de abelhas para beiras de matos afastados de lavouras, sempre contando com a boa vontade do proprietário rural.
Como as abelhas voam num raio de três quilômetros de seus ninhos, podem chegar a locais pulverizados por inseticidas. Aí começa o problema. Depois do poder tóxico dos inseticidas, o maior perigo após a aplicação é a deriva, Isto é, o produto químico jogado de avião ou de máquinas terrestres se desloca levado pelo vento para áreas vizinhas, atingindo vegetação nativa e contaminando pequenos cursos d’água.
Há registros de que a deriva pode levar veneno a 15 quilômetros. Em São Gabriel, onde se cultivam grãos como arroz e soja, exames em abelhas mortas constataram que elas não se contaminaram diretamente numa lavoura, mas ao coletar água (contaminada por agrotóxico) de uma sanga situada a seis quilômetros da plantação mais próxima. Isso indica que o problema está mais generalizado do que parece. E já chegou a instâncias oficiais como o Ministério Pùblico, mas não há sinais de solução porque já um jogo de tirar o corpo fora.
O apicultor prejudicado pode reclamar às inspetorias veterinárias estaduais, obter um laudo toxicológico num laboratório público ou privado e entrar com uma reclamação judicial contra:
a) o agricultor que mandou aplicar o agrotóxico;
b) a empresa de aviação que prestou o serviço;
c) o técnico que receitou o produto;
e) o revendedor de insumos agropecuários;
f) o fabricante dos venenos.
Parece fácil, mas não é: “Se eu processar um agricultor ou fazendeiro que matou minhas abelhas, no dia seguinte todos os vizinhos dele vão pedir para eu tirar meus apiários das terras deles”, diz Aldo Machado, o apicultor citado no início deste texto. Os apicultores estão presos dentro de uma engrenagem perversa. Se correr o veneno pega, se ficar o veneno come.
É um círculo vicioso que reduz a produção de mel e compromete a manutenção da biodiversidade, pois as abelhas exercem um papel fundamental na polinização da flora nativa e de lavouras e pomares.
“Sem abelhas, sem alimentos”, diz o slogan de uma campanha em curso no Brasil.
O biólogo brasileiro Lionel Gonçalves, que se aposentou em Ribeirão Preto e foi dar consultoria à Universidade Rural do Rio Grande do Norte, para ajudar produtores de melão (fruta dependente da polinização por abelhas), criou uma organização não governamental chamada Bee Or Not To Be, numa referência direta à frase Ser ou Não Ser, de Hamlet, de Shakespeare.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Se as abelhas desaparecessem da face da Terra, a espécie humana teria somente mais quatro anos de vida. Sem abelhas, não há polinização. Ou, seja, sem plantas, sem animais, sem homens”. Albert Einstein (1879-1955)