Sexta, 26 Abril 2024

​Religiões de matriz africana protestam contra o racismo na Câmara de Vitória

camara__leonardo_sa_-3 Leonardo Sá

Os tambores ecoaram em frente à Câmara de Vitória na manhã desta quarta-feira (15), em um ato realizado por integrantes de religiões de matriz africana. Eles protestaram contra o racismo religioso cometido pelo vereador Gilvan da Federal (Patri) na sessão ordinária de 29 de novembro. Após a manifestação, foi feita uma solicitação coletiva de representação criminal por racismo ao Ministério Público Federal (MPF).

Devido à sessão em homenagem ao Dia da Consciência Negra, realizada em 26 de novembro e proposta pela vereadora Karla Coser (PT), Gilvan subiu na tribuna da Câmara no dia 29 mostrando detergente e bucha, que, segundo ele, seriam utilizados "para limpar a mesa e pedir orações a Deus para nos livrar de todo o mal", referindo-se à benção feita por mães de santo no plenário da Câmara durante a sessão solene.

Leonardo Sá

A coordenadora do Movimento de Juventude de Terreiro, Ana Karolina da Fonseca Oliveira, afirma que, ao agredir as mães de santo, o vereador agrediu também as mulheres e negros. "Ele está usando o poder público para ofender as mulheres, os povos tradicionais, os negros. O vereador mexeu com todos os povos tradicionais do Espírito Santo. Ele quer dizer o que com a bucha e o detergente? Ele quer lavar a cor de todo mundo? Negros têm que rasgar a pele para ser da cor dele?", questiona.

O secretário geral da Federação de Cultura e Povos Tradicionais de Matriz Africana/Clã Omorodés, Ogã Marcos de Odé, destacou que quando se é mulher, LGBT, preto e periférico, a discriminação é muito grande, "principalmente quando tem os bolsominions, negacionistas, machistas, que junta tudo e vira uns monstros dentro das Casas de Leis".

O ogã acredita ainda que a agressão a esses grupos demonstra medo por parte de quem agride. "Eles têm medo dos povos tradicionais, medo das mulheres no poder. Aí, o que fazem? Agridem para abaixar a autoestima desse povo para que ele saia", diz, salientando ainda a existência do preconceito linguístico.

Leonardo Sá

"Quando as mães cantaram Oní Sáà wúre na sessão, estavam dizendo 'que Oxalá abençoe seus filhos, que Oxalá dê forças', ela não fez nada além de pedir bênçãos para essa Casa de Leis, e vem um e diz que aquilo é satanismo. Se a nossa religião falasse alemão ou qualquer língua que não fosse de preto, estaria tranquilo", denuncia.

Pai Leandro de Oxaguiã questiona a fala de Gilvan da Federal na sessão do dia 29 de novembro, quando o vereador disse que havia "lugar apropriado para fazer macumba". Pai Leandro recorda que no Plenário da Casa de Leis tem um crucifixo, uma bíblia, e que trechos desse livro são lidos durante as sessões. "Como não é espaço para a gente? A gente carrega nas costas a culinária, artesanatos tradicionais, como as paneleiras, casacas, tambores", pontua.

Durante o ato, os manifestantes também demonstraram solidariedade à vereadora Camila Valadão (Psol), que se juntou ao grupo após o encerramento da sessão. "Pode contar conosco para o que der e vier", disse Ogã Marcos de Odé, referindo-se às agressões sofridas em seu exercício parlamentar por Camila e Karla Coser, que não pôde comparecer por estar de atestado médico.
Leonardo Sá

Camila classificou o protesto como um "ato de grandeza, uma prova de que os povos tradicionais não vão se calar, de que não têm medo". Também colocou seu mandato "à disposição para todas alternativas de resistência, de enfrentamento a esse projeto político que quer nosso aniquilamento".

Durante a sessão, a vereadora também se pronunciou saudando os integrantes de religiões de matriz africana que se encontravam no Plenário "para exigir e cobrar respeito, dizer que existem e querem ser respeitados na forma como professam sua fé". Camila classificou o comportamento de Gilvan como um ato de racismo religioso ao associar essas crenças ao satanismo e recordou que ela mesma foi chamada de satanista pelo parlamentar. "Intolerância e racismo religioso não passarão sem o nosso protesto", destacou.

Gilvan falou que chamou Camila de satanista por, segundo ele, a vereadora defender o aborto, além de repetir algumas afirmações feitas no dia 29. "Todo meu respeito às pessoas de religiões afrodescendentes. O que eu disse é que, como cristão, não gostei de terem jogado coisas na minha mesa e ia limpar", ratificando que "há lugar apropriado para isso". Embora tenha dito que respeita as religiões de matriz africana, ao sair da Câmara e encontrar os manifestantes na porta, Gilvan mostrou a eles a bíblia.
Leonardo Sá

Representação criminal

Após a manifestação, foi feita solicitação coletiva de representação criminal por racismo ao Ministério Público Federal (MPF), assinada por 114 organizações. Segundo o documento, durante  a sessão do dia 29, "o vereador tomou uma posição racista, desrespeitosa a religião de outrem", além de ferir o estado laico, mostrando a bíblia dizendo ser a sua arma".

Na denúncia, os manifestantes se baseiam em leis e tratados internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e a lei orgânica municipal. O documento mostra ainda a insatisfação com o "comportamento omisso do presidente da Casa de Leis, Davi Esmael [PSD]", pedindo providencias judiciais também em relação a ele.

Nessa segunda-feira (13), Karla Coser, com o apoio de 108 organizações, protocolou no Ministério Público do Espírito Santo (MPES) uma notícia de fato criminoso em face de Gilvan pelo ato de racismo religioso.
Divulgação

Na notícia de fato criminoso, Karla Coser e as organizações afirmam que o vereador "excede o mero descontentamento pessoal, estando alocado já na seara do discurso de ódio", além de salientar "o escárnio, a intolerância, o deboche, a chacota e a intenção de marginalizar os grupos que professam cultos religiosos de matriz africana, como Umbanda e Candomblé, reduzidos de maneira ofensiva pelo vereador, como 'macumba' e 'essa coisa ruim".

Acrescentam ainda que "há enorme desrespeito e acinte ao subir à tribuna da Casa de Leis munido de esponja e desinfetante, simbolizando a necessidade de uma faxina no Plenário da Casa após a presença de grupo professante de crenças arraigadas em matrizes africanas". O grupo aponta que a liberdade religiosa é prevista na Constituição Federal de 1988, assim como a "proteção das culturas populares das populações indígenas e afro-brasileiras".

No documento, é defendido ainda que Gilvan infringiu o Código Penal ao "vilipendiar ato religioso de matriz africana, reduzindo-o pejorativamente a 'macumba' e dizendo que é coisa ruim, que é satanismo". Também é apontada quebra de decoro parlamentar, salientando que "a imunidade parlamentar não é um cheque em branco que confere ao mandatário o direito de incidir em discurso de ódio. Pelo contrário. A Constituição Federal é expressa ao afirmar, no art. 29, VIII a inviolabilidade dos Vereadores na circunscrição do Município, desde que estejam 'no exercício do mandato'".

O texto prossegue ratificando que o mandato de vereador legitima a pessoa eleita a "legislar, fiscalizar, tomar contas e outros deveres inerentes ao cargo em que ocupa", sendo "forçoso reconhecer que, habilitá-lo ao discurso de ódio certamente não está entre o escopo das imunidades". Além disso, é destacado que "o mandatário, uma vez eleito, não atua meramente em nome daqueles que o elegeram, mas de toda a comunidade – incluindo aqueles que não confiaram seu voto no parlamentar –, razão pela qual não é possível a subsistência de uma imunidade que proteja, de modo absoluto, o parlamentar, até mesmo nas situações em que escarnece de direitos e garantias fundamentais da comunidade em que atua".

No documento consta ainda que "quando o parlamentar insulta gravemente minorias étnicas ou defende qualquer ideologia contrária aos preceitos constitucionais, deverá haver o afastamento da regra prevista no art. 53 da Constituição Federal. Afinal, sabe-se que não há direito absoluto e, portanto, nem mesmo a liberdade de expressão, prevista no art. 5º, IV, da Constituição Federal de 1988 poderá, em situações de abuso de direito, albergar o achincalhe ao direito de liberdade religiosa e manifestação cultural. A jurisprudência declara como punível o excesso proferido nas opiniões de Parlamentar, sendo tal prática reprimida em âmbito cível e criminal".

A vereadora e as organizações também se baseiam na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmando que "uma vez que as ofensas proferidas exorbitem manifestamente os limites da crítica política, a imunidade material pode (e deve) ser afastada", tendo o vereador ultrapassado "os limites de mera crítica".

Nota de repúdio

O Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) e a Associação dos Docentes da Universidade Federal do Espírito Santo (Adufes) repudiaram, em nota, a agressão do vereador às religiões de matriz africana. O discurso foi considerado "racista e criminoso" pelas entidades.

Na nota, o Neab e a Adufes afirmam que "o ataque e a incitação feitos pelo referido parlamentar contrapõem-se ao direito à liberdade religiosa de integrantes de religiões de matrizes africanas que tão somente se fizeram presentes à Câmara Municipal em comemoração ao Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, conforme Lei federal nº 12.519/2011", além de expressarem "preocupação com a integridade física e moral de integrantes dessas religiões".

Também solicitam à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/ES), ao Ministério Público do Espírito Santo (MPES), à Defensoria Pública, ao Ministério Público Federal e à Comissão de Ética da Câmara de Vitória empenho para a defesa dos direitos dos cidadãos na apuração do caso. "Um parlamentar não pode continuar no cargo valendo-se de sua imunidade para praticar atos que contrariam os direitos e deveres previstos na Constituição Federal de 1988", defendem.

Entidades repudiam falas 'racistas e criminosas' de Gilvan da Federal

Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Adufes afirmam que postura do vereador se contrapõe ao direito à liberdade religiosa
https://www.seculodiario.com.br/politica/neab-e-adufes-repudiam-fala-racista-e-criminosa-de-gilvan-da-federal

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Comentários: 1

PROF. VINICIUS em Sexta, 17 Dezembro 2021 04:31

Quero saber, quando nazifascistas travestidos de vereadores, sobretudo cometendo crimes nos plenários de casas legislativas de nosso país, perderão os seus mandatos?!

Quero saber, quando nazifascistas travestidos de vereadores, sobretudo cometendo crimes nos plenários de casas legislativas de nosso país, perderão os seus mandatos?!
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