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Filhos da hanseníase exigem pensão vitalícia do Governo do Estado

O grupo se articula com a Assembleia Legislativa para reparar danos causados pela política de isolamento compulsório

mobilização dos filhos de pessoas que foram isoladas compulsoriamente devido à hanseníase deu mais um passo nessa segunda-feira (6). A relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre eliminação da discriminação contra pessoas afetadas pela doença, Alice Cruz, pediu ao Brasil a criação de um programa de reparação para esses indivíduos. O pedido foi feito na 44ª Sessão Ordinária do Conselho de Direitos Humanos. No Espírito Santo, os filhos da hanseníase, como são chamados aqueles que foram forçados a se separar de seus pais, também se articulam em nível local.

A reivindicação do grupo à Assembleia Legislativa, segundo o presidente da Associação dos Ex-Internos do Preventório Alzira Bley, Heraldo José Pereira, é um projeto de lei que garanta aos filhos da hanseníase uma pensão vitalícia de pelo menos R$ 1.600,00. O valor tem como parâmetro a Lei nº 11.520, oriunda da Medida Provisória (MP) 373/2007, que instituiu esse benefício aos pais que foram submetidos ao isolamento e internação compulsórios em hospitais-colônia até 31 de dezembro de 1986. Além da pensão, essas pessoas conquistaram uma indenização no valor de R$ 100 mil. 

A atuação em âmbito estadual, como aponta Heraldo, se fez necessária diante da morosidade na tramitação do Projeto de Lei 2104/11, de autoria do deputado federal Diego Andrade (PR/MG), que trata da indenização pleiteada. No Espírito Santo, os filhos da hanseníase eram internados no Educandário Alzira Bley, em Padre Matias, Cariacica. Nesse mesmo bairro ficavam internados os pais, no Hospital Pedro Fontes, também chamado de leprosário ou Colônia de Itanhenga, já que fica localizado na região na época assim denominada.

“Tanto o Governo Federal quanto o Estadual precisam se retratar publicamente em virtude da política de isolamento adotada”, defende Heraldo, que também faz parte do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas Pela Hanseníase (Morhan), um dos articuladores da denúncia feita à ONU. Ele relata que seus avós maternos, por terem hanseníase, foram retirados de suas terras, em Iúna, sul do Espírito Santo, pela polícia. Os cafezais cultivados por eles foram queimados, pois acreditava-se que tudo ali poderia propagar a doença. O destino foi o Hospital Pedro Fontes, junto com a mãe de Heraldo.
Heraldo José Pereira. Créditos: Arquivo Pessoal

As outras duas crianças, tias de Heraldo, por serem sadias foram para o Alzira Bley, sendo afastadas de seus pais. O mesmo aconteceu com ele e seus sete irmãos, que nasceram no Pedro Fontes. Uma irmã, inclusive, morreu aos dois anos de idade por desnutrição devido à falta de amamentação, o que segundo o integrante do Morhan, era comum. “O Alzira Bley era chamado de preventório, lugar de prevenção à hanseníase. A vida lá não era boa, principalmente pela separação forçada de nossos pais. Em uma família com dificuldades financeiras, por exemplo, as pessoas passam por inúmeros problemas, mas estando ao lado dos pais, se tem algo muito maior, que é o amor”, relata. Assim como Heraldo, existem cerca de outros 350 filhos da hanseníase no Espírito Santo. 

“Muitos deles saíram do Alzira Bley sem ter onde morar, sem estudo, e com dificuldades de constituir família”, conta. Heraldo recorda que um dos sonhos das crianças internas era ir para além dos muros do Alzira Bley, mas quando isso acontecia, o sonho se tornava pesadelo. “Estudávamos até a quarta série na escola do preventório. A partir da quinta série tínhamos que ir para uma escola fora do Alzira Bley. Saíamos dos muros e encontrávamos um mundo horroroso, onde éramos discriminados, maltratados por colegas, diretores e professores”, afirma.

O Hospital Pedro Fontes foi criado em 1937. Já o Educandário Alzira Bley, em 1940. Ambos nasceram no contexto da política de isolamento e internação compulsórios de pacientes com hanseníase no primeiro governo do presidente Getúlio Vargas. Com a descoberta da cura da doença, o fim da internação compulsória aconteceu em 1962, mas há registros de que continuaram a acontecer, em todo o País, até a década de 80. Ainda hoje, no Hospital Pedro Fontes, há internos da época do isolamento compulsório, que estão lá há décadas e a quem foi negada uma gama de direitos básicos, como o convívio social e o contato com a família, vivendo a privação de liberdade.
Colônias do Hospital Pedro Fontes. Créditos: Leonardo Sá

Outra luta que vem sendo travada pelo Morhan, segundo Heraldo, é a regularização dos imóveis localizados ao redor da unidade hospitalar, para que a posse seja passada às pessoas curadas que ainda vivem no local, garantindo também o direito dos herdeiros. Heraldo relata que no governo Paulo Hartung foi aprovado um projeto de regulamentação fundiária que deu a titularidade da água para os internos. O próximo passo, que está sendo encaminhado, é a titularidade da energia para, posteriormente, junto com a Associação de Moradores do Bairro Padre Matias, finalmente garantir a titularidade dos imóveis. 

Além de atuar no Morhan e na Associação, Heraldo também dirige o Alzira Bley, função atribuída a ele por meio de uma intervenção judicial após denúncia dos filhos da hanseníase contra a Federação das Sociedades Eunice Weaver. A Federação, criada na primeira metade do século XX com o nome de Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros, administrava o Educandário e tinha o intuito de vender suas terras, como ressalta.

“Hoje quem administra são os filhos das hanseníase”, relata, destacando, ainda, que o objetivo é fazer do Alzira Bley do futuro algo diferente do passado, com oferta de atividades esportivas, culturais e cursos profissionalizantes para crianças e adolescentes, o que está sendo impossibilitado no momento pela pandemia do coronavírus e por um decreto estadual do governo Renato Casagrande (PSB) que impossibilitou o transporte de moradores da região para o Educandário. “Em frente ao Educandário está a região de Nova Rosa da Penha, com muitos moradores em vulnerabilidade social que poderiam ser beneficiados com atividades realizadas no Alzira Bley”, pontua.

Resgate histórico 

A história do Educandário Alzira Bley foi resgatada no projeto “O Educandário Alzira Bley como Lugar de Memória”, realizado pelo coletivo cultural Start. O trabalho está disponível em uma exposição fotográfica virtual. No site também é possível ter acesso a um catálogo de fotos. Ambos os trabalhos seriam lançados em abril, no aniversário de 80 anos do Educandário. Entretanto, o lançamento foi impossibilitado devido à pandemia. Tanto a exposição fotográfica, que contará com 10 banners, quanto a versão do catálogo em DVD, estão sem data prevista para lançamento.
Educandário Alzira Bley. Créditos: Arquivo EAB

O projeto, contemplado pela Lei de Incentivo à Cultura João Bananeira, de Cariacica, também conta com um documentário sobre o Alzira Bley, que será lançado no mesmo DVD do catálogo, e conta com a direção de Judeu Marcum. Segundo o arquivista e integrante do Start, Anderson Gomes Barbosa, a iniciativa tem como objetivo valorizar o educandário como patrimônio cultural do Espírito Santo e de Cariacica, por fazer parte da identidade cultural e social, retratando um contexto importante, apesar de triste, do Estado e município. 

A exposição fotográfica e o catálogo, como ressalta Anderson, resgatam a memória de momentos como o da religiosidade, por meio de realização de missas,  além de visitas de autoridades como o ex-presidente Eurico Gaspar Dutra e as festas que eram realizadas no local, como Dia dos Pais, Dia das Mães e festa junina. “É um projeto que promove a divulgação do acervo fotográfico do Educandário, é importante para a preservação da memória do Espírito Santo e de Cariacica, um resgate de suma importância para contribuir com pesquisas”, defende.

Embora não haja previsão de lançamento do documentário em virtude da pandemia do coronavírus, o coletivo Start já divulgou um teaser. Anderson afirma que o documentário contextualiza a política de isolamento de pessoas com hanseníase do início do século XX e conta com depoimentos dos ex-internos. “Eles falam do isolamento, do preconceito, dos danos causados, inclusive sequelas emocionais, mas também retratam os momentos felizes, como as amizades, as festas, quando podiam visitar os familiares no Pedro Fontes, mas sem estabelecer nenhum contato físico”, relata.
Além de ter sido beneficiado pela Lei de Incentivo à Cultura João Bananeira, o projeto tem apoio da Associação dos Arquivistas do Estado do Espírito Santo (Aarqes)

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