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Supremo pode tornar ilegal política desenfreada de incentivos fiscais

Uma ação ajuizada pelo governo do Amazonas no Supremo Tribunal Federal (STF) pode tornar novamente ilegais incentivos fiscais concedidos indiscriminadamente pelos governos, incluindo o Espírito Santo, a empresas. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5902 questiona a compatibilidade com a Constituição Federal de dispositivos da Lei Complementar 160/2017, sancionada pelo presidente Michel Temer em agosto do ano passado.
 
A decisão do STF, se favorável ao governo do Amazonas, pode, então, derrubar artigos da Lei Complementar nº 160, sancionada em outubro de 2017 por Temer, que passou a permitir que estados deliberassem sobre a remissão dos créditos tributários, constituídos ou não, decorrentes das isenções dos incentivos e dos benefícios fiscais. Na prática, a lei passou a permitir que os estados possam regularizar os incentivos concedidos pelos estados sem o aval do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Ou seja, legalizou uma prática considerada ilegal e abusiva e que gera evasão de receitas para os governos, que poderiam aplicar tais recursos em áreas fundamentais, como educação e saúde. 
 
Na forma como foi editada, a legislação de Temer legaliza a sonegação. E, além disso, constitui-se uma forma desigual do governo tratar as grandes empresas e indústrias, que acabam deixando de recolher impostos, o que não acontece com os cidadãos. Um exemplo: enquanto os consumidores são taxados em 25% de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nas contas de telefone, combustível e energia, empresários são desonerados de pagar os impostos, cuja alíquota é reduzida. 
 
Além disso, muitas vezes, o imposto está embutido no preço da mercadoria, ou seja, tem o custo repassado ao consumidor final. No entanto, com o incentivo, ele não é recolhido aos cofres do Estado. Também é comum a nota fiscal destacar um imposto que, na prática, não corresponde ao valor que será recolhido pela empresa, o que é conhecido como “crédito presumido”. Essa arrecadação afeta tanto os cofres estaduais quanto municipais, uma vez que o ICMS é partilhado também com as prefeituras. 
 
Caixa Preta
Vale ressaltar que vários incentivos fiscais foram dados de forma irregular pelo governo do Espírito Santo. No Estado, graças a uma lei aprovada a toque de caixa na Assembleia no final de 2015, o governo não torna público os nomes das empresas beneficiadas pelas renúncias, tampouco os motivos pelos quais os incentivos foram concedidos. Em dezembro de 2015, a Assembleia Legislativa aprovou uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que revogou o artigo 145 da Constituição Estadual. O artigo a ser suprimido era o que obrigava o poder público, estadual e municipal, no prazo 180 dias após o encerramento do exercício financeiro, a dar publicidade dos atos de forma específica. 
 
O artigo obrigava o Executivo a divulgar os benefícios e incentivos fiscais concedidos, indicando os respectivos beneficiários e o montante do imposto reduzido ou dispensado, e também as isenções ou reduções de impostos incidentes sobre bens e serviços. Desde então, essas informações constituem-se um verdadeiro mistério. 
 
A Lei 10.700/2017, que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária para o exercício de 2018, prevê a concessão de mais de R$ 1 bilhão em isenções fiscais para este ano. Apenas para o setor atacadista, estão previstas isenções de R$ 722 milhões no período. Da mesma forma, para o setor de material plástico estão previstas isenções de mais de R$ 24 milhões.
 
Inconstitucionalidade
A ADI do Amazonas aponta como inviável a convalidação de benefícios concedidos por outras unidades da Federação sem a observância do disposto no artigo 155, parágrafo 2º, incisos VI e XII, alínea “g”, da Constituição e aponta a inconstitucionalidade da previsão de remissão dos créditos decorrentes do reconhecimento da inconstitucionalidade de benefícios fiscais no âmbito do ICMS, ainda que ausente deliberação unânime do Confaz. Para o governador amazonense, tanto a LC 160/2017 quanto o Convênio ICMS 190/2017 agravam desigualdades regionais que o constituinte se propôs a eliminar.
 
Na ADI, o governador pediu liminar para suspender a eficácia dos dispositivos impugnados. Para isso, enfatizou a queda nos principais índices econômicos no âmbito da Zona Franca de Manaus, reportando-se a dados produzidos pela Secretaria de Fazenda do Estado do Amazonas (Sefaz/AM), afirmando que, dada a ausência de diferenciais positivos, empresas anteriormente instaladas estão abandonando a região, que está deixando de ser atrativa para empresas nacionais e estrangeiras.

 

Em razão da relevância da matéria discutida na ADI, o relator do processo, ministro Marco Aurélio, decidiu submetê-la a julgamento definitivo pelo Plenário, dispensando-se o exame do pedido de liminar. O relator adotou o rito abreviado previsto no artigo 12 da Lei das ADIs (Lei 9.868/1999) e requisitou informações às autoridades requeridas, determinando que a AGU e a PGR se manifestem a respeito.
 
Sangria 
“A renúncia fiscal é uma sangria”, explica o economista e consultor social Helder Gomes, doutor em Política Social pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Helder explica que a raiz do problema começa com a dívida externa. 
 
“A contínua conversão de dívida externa em dívida interna e a acumulação das parcelas não pagas dos juros tornaram a dívida pública insustentável. A medida em que o governo federal passa a ocupar sua agenda com a administração da dívida, ele não tem como promover o desenvolvimento. Os estados passam a ter a responsabilidade disso e vão fazer por meio de uma guerra fiscal. Então, essa renúncia fiscal passa a ser um instrumento de política econômica”.
 
Para o consultor, outro problema é a sonegação. “O cara é flagrado sonegando, um crime, está sendo cobrado sentencialmente pela Justiça, mas faz um acordo com o governo do Estado, que converte sonegação numa linha de crédito de longo prazo, para ser paga em 60 meses. Ainda existem acordos periódicos que transformam toda a dívida em nada. Há no Brasil um problema de arrecadação. Os déficits que temos são causados pela renúncia fiscal, não são gastos”.
 
O consultor social não tem dúvidas: Paulo Hartung segue a cartilha de Fernando Henrique Cardoso, que pregava a política do possível e deixava bem claro que nunca haveria o suficiente para todos. “Nos bastidores, o governador diz que saúde e segurança são áreas que sempre serão problemáticas; sendo assim, não adianta fazer muita coisa. Para quem opera com resultado e eficiência, os investimentos serão direcionados para outras áreas”.

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