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Desmatamento e eucaliptocultura crescem no entorno do Parna Caparaó

Proposta de APA tem adesão de municípios, para favorecer usos mais sustentáveis do solo

O desmatamento e os monocultivos de eucalipto avançam a passos largos na zona de amortecimento do Parque Nacional do Caparaó, afetando diretamente a produção de água e abrindo inúmeros pontos de vulnerabilidade frente às mudanças climáticas, entre diversos outros efeitos colaterais já conhecidos em outras regiões. 

Entre os municípios capixabas que fazem limite com o Parna – Divino de São Lourenço, Dores do Rio Preto, Irupi e Iúna – a ameaça é um dos principais motivadores para a adesão dos gestores à proposta de criação de uma Área de Proteção Ambiental (APA) no entorno direito do Parque, lançada em meados de março

“A APA vai ser criada, os prefeitos querem a criação, sabem que vai ser melhor pro desenvolvimento da região. Precisamos agora definir qual o tamanho dela, e se será uma APA federal, uma APA estadual ou várias APAs municipais”, relata Dalva Ringuier, diretora-executiva do Consórcio Público Intermunicipal para o Desenvolvimento Sustentável da Região do Caparaó Capixaba (Consórcio Caparaó). 

O fenômeno da substituição de áreas verdes pela monocultura e por loteamentos ilegais é percebido a olhos nus por moradores e ambientalistas que transitam pela região e ficam bem nítidos quando comparadas imagens de satélite ano após ano. 

Um conjunto de imagens comparativas, cedidas pelo Consórcio a Século Diário deixam evidente como a grande unidade de conservação federal – a maior do Espírito Santo – vem sendo encurralada pelos desmatamentos, se transformando num oásis cada vez mais isolado na paisagem da região. 

Veja a seguir como evoluiu o território na zona de amortecimento capixaba do Parque, além de três localidades rurais mais conhecidas como destinos turísticos: Pedra Menina, em Dores do Rio Preto, onde se localiza a portaria capixaba do Parque; Patrimônio da Penha, em Divino de São Lourenço, conhecida por suas cachoeiras de águas puras; e Pedra Roxa, em Ibitirama, onde o turismo se expande, também puxado pela especulação imobiliária, que atrai pessoas da cidade dispostas a praticar o chamado êxodo urbano, que, se não for bem orientado e fiscalizado, pode trazer para o campo os mesmos problemas de insustentabilidade instalados nas grandes cidades.

Em números, o que existe são dados do Atlas da Mata Atlântica do Espírito Santo, publicado em 2018, com monitoramento do uso do solo, nos municípios da região, entre 2007/2008 e 2012/2013/2014; além dos resultados do Programa Reflorestar, mostrando o número de hectares previstos para recuperação florestal por meio de contratos firmados entre 2017 e 2019. A região do Caparaó, inclusive, recebeu, durante a primeira década de funcionamento do programa, desde 2011, 35% dos recursos globais.

Os dois monitoramentos mostram, nos três municípios, pequeno aumento da chamada mata nativa, redução das pastagens e aumento da área ocupada com monocultivos de eucaliptos. 

Em Dores do Rio Preto, o Atlas mostra houve aumento de 1,3% (245 ha) na chamada Mata Nativa e de 0,9% (164 ha) da Macega. Já a Mata Nativa em Estágio Inicial de Regeneração e a Pastagem reduziram, respectivamente, 1,6% (225 ha) e 7,5% (1 mil ha). Entre os dois principais plantios comerciais, o café reduziu de 19,5% para 18,9% do território municipal (34 hectares a menos) e o eucalipto, ao contrário, aumentou 2,7%, alcançando, em 2013, 802 hectares (21 ha a mais). Já os contratos do Reflorestar para recuperação florestal, entre 2015 e 2019, totalizaram 77,7 ha.

Em Divino de São Lourenço, o período 2007 a 2013 do Atlas registrou as categorias Mata Nativa e a Mata Nativa em Estágio Inicial de Regeneração tiveram redução de 0,1% (14 ha), 0,8% (144 ha), respectivamente, enquanto a categoria Macega aumentou 2,3% (409 ha). Já as culturas comerciais tiveram o seguinte comportamento: Pastagem reduziu 2,1% (357 ha); café reduziu 429,4 há, passando de 12,6% para 10,2% do território; e eucalipto aumentou 1,4%, alcançando 1,2 mil ha do território (17,13 há a mais no período). No âmbito do Reflorestar, os contratos para recuperação florestal somaram, de 2017 a 2019, 181,36 ha. 

Em Ibitirama, o Atlas mostra que a cobertura florestal, entre 2007/2008 e 2012/2014, teve a seguinte evolução: Mata Nativa e Macega aumentaram, respectivamente, 1,9% (643 ha) e 0,6% (187,5 ha), enquanto a Mata Nativa em Estágio Inicial de Regeneração reduziu 1% (339,7 ha). Os usos comerciais apresentaram redução de 3,7% das Pastagens (1,2 mil ha) e de 2,81% (929,7 ha) do café, que passou a ocupar 15% do território; e um salto do eucalipto, de 2,7% para 6,5% (1,2 mil ha). Os contratos de recuperação florestal do Reflorestar, entre 2015 e 2019, somam 414 ha.

Degradação camuflada

Aparentemente contradizendo as imagens de satélite, que mostram nítida redução da floresta, a explicação para os singelos crescimentos de áreas com floresta apontadas no Atlas pode ser encontrada no artigo Hidden destruction of older forests threatens Brazil’s Atlantic Forest and challenges restoration programs (Destruição oculta de florestas mais antigas ameaça a Mata Atlântica do Brasil e desafia programas de restauração, em tradução livre), publicado em janeiro de 2021 na revista Science Advances, que expõe como a estabilidade no percentual de cobertura florestal nos estados da Mata Atlântica esconde um fenômeno que vem destruindo a complexidade e integridade das florestas: a substituição de matas maduras (primárias ou em estágio avançado de regeneração) por matas jovens. 

Na ocasião, o líder do grupo de pesquisadores autores do artigo e coordenador técnico do MapBiomas – Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo do Brasil cujos dados, públicos e fundamentados no monitoramento feito pela ONG Fundação SOS Mata Atlântica – Marcos, Rosa, alertou que, “apesar dessa dinâmica de perda e ganho de florestas nativas ter mantido a quantidade de floresta praticamente estável nos últimos 20 anos, esse rejuvenescimento das florestas pode ser extremamente danoso para a conservação do bioma”

Conselho gestor 

Na próxima quarta-feira (27), a proposta de criação da APA na zona de amortecimento do Parque Nacional do Caparaó será discutida na reunião do Conselho Gestor do Parna, quando então deve ser agendada a primeira reunião da comissão que ficará responsável pela operacionalização da proposta de criação da APA. 

O processo, explica Dalva Ringuier, demandará a realização de estudos técnicos, audiências e consultas públicas às comunidades, além de educação e conscientização ambiental junto aos moradores e de fiscalização sobre as atividades que mais impactam a frágil integridade da floresta e ameaçam seus serviços ecossistêmicos essenciais à qualidade de vida da região e à produção de água para dezenas de municípios irrigados pelos rios que nascem no Caparaó, a maior “caixa d´água do Espírito Santo”.

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