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Justiça emite sentença inédita em favor de atingidos da Samarco/Vale-BHP

Vinicius Cobucci invoca, no mérito, princípio da precaução em favor de comunidades costeiras ainda não atendidas pela Renova

Eliane Balke

O juiz federal Vinicius Cobucci, novo substituto da 4ª Vara Federal de Belo Horizonte (MG), criada para abrigar os processos referentes ao crime da Samarco/Vale-BHP no Rio Doce, emitiu nessa quinta-feira (24) uma sentença inédita em favor da inclusão de dezenas de comunidades costeiras na Serra e no norte do Estado nos programas de reparação e compensação dos danos advindos do maior crime socioambiental do país.

O reconhecimento da região como atingida pelo crime foi feito pelo Comitê Interfederativo (CIF) em 2017, por meio da Deliberação nº 58, que por sua vez se baseou na Nota Técnica nº 2 do Grupo Interdefensorial Rio Doce (Gird) e na Nota Técnica nº 3/2017 do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Mas desde então, durante os últimos seis anos, as empresas criminosas e sua Fundação Renova têm usado de todos os artifícios legais para não acataram a determinação, deixando milhares de famílias de pescadores, marisqueiros, agricultores e todas as demais classes socioeconômicas atingidas pela lama na região desassistidas, intensificando os impactos da tragédia.

“A decisão é um marco, pois se trata de uma sentença de mérito após uma longa tentativa das empresas de desconstituírem a Deliberação nº 58”, avalia o defensor público estadual Rafael Portella, que defende os direitos dos atingidos e atua fortemente pela defesa dos direitos dos atingidos em todo o litoral norte capixaba.

O despacho de Vinicius Cobucci responde a mais um incidente de divergência impetrado pelas empresas e a Renova sobre o assunto. Em seu despacho, ele declara que a Deliberação 58 é “válida e apta a produzir todos os seus efeitos jurídicos de forma imediata”, contestando assim a decisão anterior, proferida em segundo grau pelo Tribunal Regional Federal 6 (TRF-6), pois sua decisão “se baseia em elementos novos diversos dos adotados pelo Tribunal”, que, por sua vez, havia feito uma análise em âmbito de uma “decisão liminar, com base em cognição sumária”.

Na inicial da petição, ressalta o magistrado, “as sociedades empresariais (…) afirmam que a deliberação é ilegal, pois não restou provado o nexo causal”, o que não é adequado, pois contraria o princípio da precaução, com base no qual, as empresas é que devem provar que não há nexo causal entre a lama da Barragem de Fundão, em Mariana/MG, e os problemas socioambientais vividos pelas comunidades desde novembro de 2015.

“Decorre da experiência comum a conclusão de que qualquer área que teve contato com os rejeitos pode sofrer danos reais em razão do impacto. Há grande probabilidade, ainda que não seja possível a certeza. Por esta razão, há de ser aplicado o princípio da precaução, ante o risco constatado (…) A caracterização do risco como grave e irreversível se dá em um segundo momento, com os estudos técnicos identificação das áreas e seus respectivos impactos, com base na cláusula 20. Para que as áreas fossem sumariamente excluídas e afastadas, as sociedades e Fundação Renova deveriam comprovar cientificamente a certeza da ausência de risco, o que não ocorreu. Por esta razão, nova perícia, ainda que simplificada, é desnecessária”, assevera o magistrado.

O juiz também critica a excessiva judicialização do caso. “A judicialização faz parte da cultura brasileira. Há um grande número de advogados em relação à população. O sistema processual estimula recursos e há concentração das discussões em cortes superiores. Apesar de ter sido firmado acordo extrajudicial, o presente caso é altamente judicializado, com discussões sobre detalhes mínimos. Neste contexto, é natural se esperar que as sociedades questionem a técnica adotada pelo poder público, especialmente quando são dotadas de capital financeiro para vários estudos”.

A excessiva judicialização acaba abrindo espaço para defesas judiciais contraditórias, aponta Vinicius Cobucci. “Também é paradoxal a crítica dos advogados quanto à técnica empregada pelo ICMBio. No caso, houve coleta direta de dados, enquanto o estudo apresentado pela Fundação Renova se baseia em revisão de literatura sem que seja possível avaliar a qualidade dos dados apresentados. Os estudos foram sujeitos à revisão dos pares? Foram publicados em revistas científicas independentes? Houve contratação de terceiros? A técnica utilizada pelo ICMBio se mostra mais adequada pela coleta direta de dados. E o estudo não se presta para fins da cláusula 20, pois foi feito de forma deliberada a impugnar a deliberação em questão. É de se questionar a independência da consultoria, pois faz menções elogiosas à Fundação Renova, quando deveria atuar de forma independente e técnica, sobre fatos e sem juízos de valor. A opinião particular da consultoria quanto às ações adotadas é irrelevante”, compara.

Sobre essa contradição, transcreve ainda um trecho da argumentação dos Ministérios e Defensorias Públicas sobre o tema: “O que se vê é que as empresas poluidoras (Samarco, Vale e BHP) simplesmente não aceitam as conclusões eminentemente técnicas realizadas pelo CIF, apesar da previsão constante no TTAC. E mais: os estudos técnicos apresentados em impugnação à Deliberação CIF nº 58/2017, quando muito, fariam surgir situação de dúvida científica razoável em relação aos impactos, atraindo a incidência dos Princípios da Precaução e do In Dubio Pro Natura, demandando ações concretas à reparação integral dos danos socioambientais e socioeconômicos indicados como consequentes à gravíssima poluição proporcionada pelo rompimento da barragem de Fundão”. Assim, afirma, “ao contrário do estudo apresentado pelas sociedades e pela Fundação Renova, o MPF trouxe aos autos estudo tecnicamente mais embasado, com mais dados técnicos e que comprova situações potenciais de risco grave e irreversível”.

A determinação judicial de incluir essas comunidades nos programas da Renova ocorreu em outubro passado, pelo juiz Michael Procópio Ribeiro Alves Avelar, expandindo a área de atuação da Renova para Aracruz, Serra, Fundão, São Mateus e Conceição da Barra . Em março deste ano, o mesmo juiz determinou o bloqueio de R$ 10,3 bilhões das contas da Vale e da BHP Billiton para garantir a implementação dos programas de compensação e reparação na região. Dois meses depois, em maio, o TRF-6 atendeu a embargos e recursos impetrados pelas empresas contra a decisão do bloqueio, sendo uma semana depois contestado pelo magistrado.

No final daquele mês, Michael Procópio autorizou uma intervenção cautelar na Fundação Renova, como forma de cessar sua “relação umbilical” com suas mantenedoras e, assim, garantir que a entidade cumpra “sua missão de existir no mundo” e imprimir mais agilidade no processo de reparação e compensação dos danos.


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https://www.seculodiario.com.br/meio-ambiente/mineradoras-tem-30-dias-para-incluir-cinco-municipios-em-programas-de-reparacao

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