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Justiça Federal confirma território quilombola no Sapê do Norte

TRF2 anulou sentença anterior emitida em favor de fazendeiro que alega ser proprietário da área, em São Mateus

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) reconheceu a legitimidade do processo de delimitação e identificação do território pertencente às comunidades quilombolas de Serraria e São Cristóvão, localizadas em São Mateus, norte do Estado, e pertencentes ao Território Quilombola Tradicional do Sapê do Norte, que abrange também o município de Conceição da Barra.

Atendendo ao recurso impetrado pelo Ministério Público Federal (MPF) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a decisão do Tribunal anulou a sentença emitida em primeira instância em favor de um fazendeiro que alegava ser proprietário da área.


O Acórdão reconheceu a regularidade e a constitucionalidade do processo de demarcação realizado pelo Incra em São Mateus e julgou completamente improcedentes os pedidos do demandante, condenando-o a pagar os honorários advocatícios em favor da autarquia federal. Não cabem mais recursos contra a decisão.


A delimitação da área foi iniciada a partir da autodeclaração das comunidades de Serraria e São Cristóvão, dando origem ao processo administrativo nº 5430.000582/2005-15, que buscou a identificação e elaboração de estudos técnicos transdisciplinares sobre o território quilombola.

Já o processo judicial – número 0000023-07.2012.4.02.5052 – teve o seu início no ano de 2012, quando o fazendeiro Edis Bonomo alegou ser o proprietário legítimo de parte das terras demarcadas pelo Incra e questionou o relatório técnico elaborado pela autarquia e a constitucionalidade do procedimento administrativo de demarcação.
Inicialmente, a Justiça Federal de São Mateus acolheu o pedido do autor, mas o MPF e o Incra recorreram da decisão, por reconhecerem se tratar de tema constitucional que possui aplicabilidade imediata, ou seja, que a Constituição Federal definiu a titularidade de terras quilombolas de forma clara e autoaplicável, preservando assim a cultura negra quilombola, patrimônio cultural brasileiro.

Foi demonstrado pelo MPF, também, que o procedimento da autarquia respeitou o contraditório e a ampla defesa, e delimitou corretamente a dimensão do território quilombola com base nos estudos antropológicos e na necessidade de garantia da reprodução física, social e cultural do grupo.

As comunidades quilombolas, de acordo com o Decreto Presidencial nº 4.887/2003, são grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida. A própria Constituição Federal reconheceu a titularidade das terras ocupadas por remanescentes quilombolas no Artigo 68 ADCT, cabendo ao Incra demarcar essas terras e emitir os títulos.

Reunificação
Coordenadora nacional da Coordenação das Comunidades Quilombolas do Espírito Santo “Zacimba Gaba” (Conaq/ES), Katia Penha comemora a decisão final da Justiça Federal, que em uma situação infelizmente rara no país, não cedeu à pressão do agronegócio.

“É uma vitória muito importante, principalmente diante do descaso do governo Jair Bolsonaro, onde a política agrária do Incra foi colocada em xeque. Faz a gente acreditar que é possível continuar a luta pela terra, que é uma luta constante, diária”, declara. Agora, explica, cabe ao Incra encaminhar administrativamente o processo de titulação, em diálogo com a comunidade. “Depois de mais de dez anos de processo paralisado, a comunidade pode unificar a luta novamente”, celebra.
O Sapê do Norte tem outras dezenas de comunidades quilombolas reconhecidas e certificadas pela Fundação Cultural Palmares, do governo federal, e que aguardam a conclusão do processo de titulação de seu território tradicional.

Os processos judiciais que emperram a titulação são movidos, via de regra, por fazendeiros do agronegócio ou pela Suzano (ex-Fibria, ex-Aracruz Celulose), que, há décadas, praticam uso do solo degradante, com monocultivos de eucaliptos, cana-de-açúcar e pasto, impondo às comunidades um processo de degradação social, por meio de cooptações de lideranças e violências diversas, havendo ainda denúncias de grilagem de terras que chegam a ocupar mais de 80% do território de algumas comunidades.

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