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???A oposição é uma função que os partidos de esquerda vão fazer???. Quando digo esquerda, excluo o PT’

José Rabelo e Renata Oliveira

Fotos: Leonardo Sá

 
Na disputa ao Senado, o PSOL apresentou o nome do advogado André Moreira. Ele saiu da disputa com 32 mil votos, sendo 24,6 mil só na Grande Vitória, um volume considerado bom para a estrutura de campanha modesta do candidato. Mas a importância do partido para o processo eleitoral do ano passado talvez não possa ser mensurado pela quantidade de votos obtidos nas urnas. O PSOL foi “saudável” para fazer o contraponto num processo eleitoral polarizado entre Renato Casagrande (PSB) e Paulo Hartung (PMDB).
 
O partido terá um papel muito mais importante a partir desta eleição, afirma André Moreira. Isso porque, diferentemente das eleições de 2003 e de 2006, o governador Paulo Hartung (PMDB) entra no governo sem uma carapaça de moralidade que o sustentou durante seus dois governos. 
 
Nesta entrevista a Século Diário, Moreira retoma o 18 Brumário de Luís Bonaparte, de Karl Max, para mostrar que o governador busca recriar os elementos do passado e buscar a unanimidade. Mas que o processo não passa de uma farsa. Caberá, segundo ele, aos partidos de esquerda, com exceção do PT, que faz parte do governo, expor essas contradições do novo governo. 

 
 
Século Diário – Qual a avaliação do PSOL diante dos primeiros movimentos do governo Paulo Hartung?
 
André Moreira – No final do ano passado, em uma reunião do diretório do PSOL, chegamos à conclusão de que o partido fará oposição sistemática ao governo Paulo Hartung. Primeiro porque o pessoal já sabe o que representa esse governo; segundo porque os problemas que foram apontados pelo PSOL no processo eleitoral não se resolveram e vão continuar a ser cobrados. O processo da investigação eleitoral, toda essa situação está posta. Ele só vai dar continuidade àqueles acordos que foram feitos, a própria composição do secretariado dele já indica isso. A ida de uma representante de uma empresa de comunicação [Andréia Lopes, de A Gazeta], que mediou os debates durante a campanha eleitoral; e outro de uma empresa de pesquisa  [Orlando Caliman, do Instituto Futura], já dizem muito sobre isso. A nova tentativa de cooptação do Ministério Público por meio de cargos para promotores [Marcelo Zenkner e Evaldo Martinelli]. Isso tudo faz parte da farsa. Desta vez, sem as condições políticas que encontrou em 2002, tenta reeditar aquelas condições fazendo uma pantomima de ter de encontrar o que na época passada foi o crime organizado, agora ele tenta colocar como o desarranjo administrativo. Esse novo argumento entrou no lugar do crime organizado. Acho que ele podia ter sido mais criativo.

 

– E esse discurso vai convencer o eleitor dele e a população em geral?

 – Essa coisa se repete como se fosse um mantra e vemos as empresas de comunicação repetindo isso. As pessoas já estão começando a repetir esse discurso. Tem esse risco, muito embora, acompanhando as redes sociais tenha sempre com mais volume do que antes, de que ele é um farsante, que ele não engana mais ninguém. Mas que tem um processo para que isso aconteça, tem. Não é só o discurso dele, como governador. Tem todo um arranjo para conseguir levar isso adiante.

 

– Mas os prefeitos que assumiram em 2013 com esse discurso de terra devastada, acabaram saindo desgastado desse processo, inclusive, os aliados de Hartung, como Rodney Miranda (Vila Velha) e Juninho (Cariacica). Se esse discurso for prolongado, esse desgaste não pode chegar para ele também?

– Tem uma diferença. Estamos falando aí de gestores municipais. O tempo do prefeito é outro, é mais curto. Na primeira chuva acabou o discurso. As pessoas vivem no município. Já no plano do Estado é diferente. As pessoas não sabem muito bem quais as atribuições do Estado. Tem uma função macroeconômica, não é daquela economia local, com ações que só vão ser sentidas a médio prazo. Acho que o funcionalismo público vai sentir isso muito rápido e talvez, algum nicho empresarial, alguns trabalhadores ligados à função pública, ainda que terceirizada, e os movimentos sociais vão sentir isso, com certeza. Temos uma pauta que está aí suspensa que pode vir à baila a qualquer momento, que é a Terceira Ponte e a questão das tarifas de ônibus. Assuntos que já estão na pauta do dia.

 

– A eleição passada foi polarizada entre Hartung e Casagrande. O socialista perdeu, mas teve uma votação expressiva. Inclusive, ele superou o peemedebista na Grande Vitória. O senhor considera Casagrande a liderança política que vai comandar a oposição ao novo governo?

– Eu acho que Renato Casagrande já mostrou na disputa de 2014 que não tem disposição para enfrentar Paulo Hartung. 

 

– Por quê?

– Ele não tem disposição porque ele sustentou Hartung durante todo o tempo no governo dele…

 

–  Por que o senhor acha que Casagrande não tem disposição?

– Porque não é o perfil dele. Ele não é um homem de enfrentamento…

– Mesmo com a votação que ele teve na Grande Vitória?

– Acho que ele deveria estar muito mais presente no pós-eleitoral e não está.  

 

– Acha que ele não está se colocando como uma liderança de oposição…

– Acho que não. Essa deveria ser a primeira coisa, deveria assombrar Paulo Hartung durante todo o governo dele e não vai assombrar, até porque ele tem compromisso com muitas das empresas que sustentaram o processo político até aqui. 

 
– Todo o discurso de posse e pós-posse vem sendo de ataque a Casagrande. Ele está muito quieto, não acha? [ele acabou reagindo na quinta, um dia depois desta entrevista, no Facebook]

– Paulo Hartung está dando um palanque para o Casagrande… e talvez aí ele não esteja sendo muito inteligente. Porque ele precisa falar do sujeito para manter agora o discurso. Porque era muito fácil falar do Gratz, porque o Gratz estava sujo, estava no chão. Então, era unânime, mas falar de Renato Casagrande é diferente, porque teve uma parcela da população que votou nele. Ele não teve uma derrota avassaladora. 

 

– E Hartung não tem como colar no Casagrande o rótulo do crime organizado…

– Não tem. Nem de crime organizado, nem de corrupto. A corrupção que apareceu no governo de Renato Casagrande na verdade era a corrupção do segundo governo Paulo Hartung. Mal ou bem, atrasado, muito atrasado, aliás, Casagrande acabou solucionando o problema do Iases… Mas Casagrande permitiu que Hartung se mantivesse vivo dentro do governo dele. A própria falta de ação eficaz fez com que houvesse um apelo pelo retorno de Paulo Hartung, ele acabou sendo um grande cabo eleitoral de Paulo Hartung e neste momento pós-eleitoral, ele tem a oportunidade de discutir certas questões. É uma liderança política que está marcada, não tem como discutir isso, está registrado na votação dele, mas…

 

– O senhor vislumbra alguma liderança que possa ir para o enfrentamento com Hartung?

– A oposição é uma função que os partidos de esquerda vão fazer. E quando eu digo de esquerda eu excluo o PT, porque está no governo. Tem gente de esquerda dentro do PT, mas é a minoria…

– E são, inclusive, as pessoas que não concordaram com essa aliança com o PMDB de Hartung. 

 

– Sim. Mas eu quero saber dessas pessoas o que vão fazer, porque há uma tendência de acomodação desse grupo. 

 

– Então, quem faria parte desse núcleo de oposição ao qual que o senhor se refere?

– Acho que basicamente o PSOL, com muito mais pressão, mas também o PSTU e o PCB, que também tiveram um papel dentro desse processo eleitoral. É a tal frente de esquerda que não foi viabilizada durante a eleição, mas que no pós-eleitoral pode se viabilizar. Inclusive com o crescimento desses dois partidos, que mesmo tendo um desempenho eleitoral menor do que o do PSOL podem fazer parte desse processo da mudança. Vai depender da disposição dos partidos em ir para as ruas. Acho que a oposição ao governo Paulo Hartung estará nas ruas. Estará nos movimentos sociais. 

 

– Durante a campanha, o PSOL assumiu uma posição que foi além das ruas, de buscar na Justiça a denúncia de irregularidades. Esse é o caminho também agora, de vigilância e contestação judicial do que estiver errado no governo?

 

– Esse é um caminho. Não podemos desconsiderá-lo, mesmo sabendo toda a desvantagem que há nesse processo por conta da força do Estado, da negociação que há em torno de questões orçamentárias do Judiciario. Esse é um caminho que não dá para largar. Se a gente tem dúvida de que o resultado final seja aquele que tentamos demonstrar nas ações, ele serve para manter o alerta da população sobre a situação. Gosto muito de lembrar que a primeira declaração do governador sobre as denúncias da casa [não declarada à Justiça Eleitoral em Pedra Azul] e do showmício [evento proibido pela legislação eleitoral] era de que isso não daria em nada e que a ação era mal-feita. O Ministério Público declarou que a ação era aquela, idependentemente do mérito, e o corregedor determinou ao cartório que levante as informações  sobre as informações sobre a casa e determinou às emissoras de televisão que entreguem as fitas do showmício. O fato está aí. Foi uma eleição apertada, se ele tivesse sido eleito com mais de 80% dos votos poderia alegar que isso não teve influência no resultado, mas em uma eleição apertada como essa, ainda que ele tenha vencido no primeiro turno, o efeito dessas ações pode ter sido bastante relevante. Mas que efetivamente esse é um campo de batalha, é. Mas não é o prioritário do partido. Não vamos ficar no gabinete fazendo só ações.

 

– Em relação ao movimento popular, o PSOL é o partido que parece mais identificado com a população neste sentido…

– Acho que o que diferencia o PSOL dos demais partidos, e tem credencial para fazer esse papel, é o fato de que o partido foi o que baixou a crista em 2013, ouviu o reclame anti-bandeiras, porque entendeu que pela primeira vez houve uma movimentação com autonomia às velhas bandeiras partidárias, e que não queria se deixar ganhar por bandeira hasteada. 

 

– Mas esse movimento era uma muito difuso, o PSOL poderia, neste novo cenário, dar o viés político para esse movimento?

 

– Político ele sempre foi, ele não era partidário. 

 

– Não sei, tinha muita coisa que não dava nem para classificar politicamente. 

 

– Sim, eles tinham muitas pautas, mas o que a gente estava discutindo era a população na política, de forma conceitual. O que a gente tira daí era o partidário, mas acho que essa discussão ainda cabe revisão, porque o PSOL cresceu muito nesse processo. Eles não queriam ser apropriados, mas acho que tinha muita gente que se identificou com o partido no processo eleitoral. Embora o desempenho tenha sido pequeno em número de votos, mas é preciso considerar o investimento na campanha. Em Vitória, por exemplo, a minha votação foi de 6%. Tive uma boa votação na Grande Vitória para o nível de gasto na campanha. O que a gente imaginou com isso? Isso tem a ver com as manifestações com o processo eleitoral? Tem, mas isso foi plantado nas mobilizações, com a defesa de militantes, no embate com determinadas pautas que estavam ali. Elas não foram no mesmo modelo da minha juventude, mas efetivamente, a população entendeu que era preciso estar inserida no processo político. Talvez a importância do PSOl na política capixaba seja maior do que a expressão numérica dos votos. 

 

– Qual a diferença de se opor a Paulo Hartung hoje e de se opor ao de 2003 e 2006?

 

– A história é a seguinte: de 2003 até 2006, ele foi unânime, as nossas vozes eram muito baixas. Tanto que ele determinou ao então secretário de Justiça Ângelo Roncalli que o Conselho de Direitos Humanos não poderia fazer inspeção nos presídios capixabas. A gente só conseguiu furar isso com uma ação no Superior Tribunal Federal. Aqui no Tribunal de Justiça, obviamente, julgaram que o Estado teria condições de determinar onde poderíamos fazer inspeção. Aí conseguimos vencer e em 2009 Hartung já não era assim intangível. Na sequência disso as violações no sistema prisional chegaram a Genebra. Toda aquela exposição, as masmorras etc. Hartung teve que sair da casca de bom moço, para se defender.
 
– Houve ainda o episódio da imprensa nacional que veio ao Estado para verificar a situação nos presídios. Hartung tentou abafar e não conseguiu. 

 

– Essa foi a primeira bala que atravessou a carapaça de Hartung. Tornou-se humano, perdeu a condição de deus, de intocável. Agora, ele entra no novo mandato sem essa unanimidade, sem essa carapaça. Vai ter de negociar melhor. A gente nunca pensou nesse aspecto, mas a própria existência da ação do PSOL já o coloca em uma posição desconfortável. Ele terá que dar explicações à Justiça e à sociedade.

 

– Esse chamamento à uma nova unidade… 

 

– É muito sintomático. Aí vem a história da segunda vez como farsa. Ele vai tentar recriar essa situação, mas terá de encontrar uma sombra para a qual ele precisa se colocar para tentar aglomerar essas forças novamente.

– Como o PSOL está se articulando com a sociedade civil nessa novela da volta da cobrança de pedágio na Terceira Ponte?

 
– Há uma articulação acontecendo que não é do PSOL, mas que tem gente do partido participando também. Mas o que há de importante é o relatório da área técnica do Tribunal de Contas, que não tem retoque. Não tem o que tirar. É primoroso. Inclusive, mostra onde não puderam trabalhar por falta de informações da concessionária e do governo, como saímos de um pagamento de outorga de 8% para 3%, houve alteração das obras, não existe mais a proposta da empresa concorrente, que perdeu a licitação. Espero que os auditores e conselheiros não maculem a imagem da vida profissional deles, alterando o relatório. E se você pensar todo o financiamento de campanha que foi feito de 1998 para cá, vamos perceber que não foi nem 10% do que deve ao Estado. Então, isso enriqueceu mesmo esses caras.
 
– No discurso do Hartung, percebemos uma coletânea de várias discursos que ouvimos na eleição, como aponta o professor Roberto Garcia Simões, fruto de uma pesquisa qualitativa sobre as demandas da população. E nessa, ele usa também o discurso do PSOL de mobilidade humana, em vez de urbana. Parece uma tentativa, pelo menos no discurso, de aproximação com o popular, com o social. Como o senhor analisa esse discurso?

 

– Eu estava trabalhando com a ideia de farsa como gênero literário, mas é farsa satírica. Acho que é isso, faz parte da farsa, o próprio discurso da meritocracia , quando você olha para as pessoas que fazem parte do governo dele. São pessoas que estavam no governo Casagrande, ou, como o é o caso da Ana Paula Vescovi [secretária da Fazenda], que estava na assessoria do senador Ricardo Ferraço. Não são pessoas que estavam no mercado, provando seus méritos. 

 
– E a eleição de 2016, como o PSOL está se articulando?

 

– Estamos avaliando a eleição de 2014 e estamos pensando também em 2018, porque 2016 já está aí. Estamos estudando como o PSOL se desenvolveu nos municípios, sabemos que não é a mesma eleição, mas temos que apresentar candidatos. 

 

– O PSOL terá candidatos em todos os municípios da Grande Vitória?

– Depende se a gente vai ter candidato para majoritária ou para majoritária e proporcional. Mas com certeza, nos municípios onde o PSOL tem estrutura para ter candidatura, teremos. 

– O fortalecimento partidário daria mais força para esta frente de esquerda formada por PSOL, PSTU e PCB?

– Dessa vez, sim. Porque na eleição do ano passado isso foi muito pontual, uma questão de divisão de espaço e tempo de TV e esse foi o último ano, pensando na reforma política, que partidos que não tinham representação Câmara não poderiam ter tempo de TV. 

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