Como já era esperado, o governador Paulo Hartung (PMDB) não assistiria de braços cruzados a aprovação do relatório do deputado Euclério Sampaio (PDT) na reunião extraordinária da CPI dos Empenhos. Dito e feito. Horas depois da reunião, surgiram os primeiros desdobramentos da aprovação do relatório na sessão ordinária da Assembleia Legislativa desta segunda-feira (20).
O relatório do pedetista foi aprovado à unanimidade (cinco votos a zero) pelos membros da CPI. O fato inusitado é que o presidente da CPI e líder do governo na Assembleia, deputado Gildevan Fernandes (PMDB), não compareceu à reunião extraordinária desta segunda-feira, ironicamente, convocada por ele mesmo.
Nos bastidores, comenta-se que Gildevan literalmente “dormiu no ponto”, ou seja, esqueceu da reunião. Desesperado, ele tentou cancelar a reunião de última hora. Mas como havia quórum, os membros da CPI mantiveram a reunião e aprovaram o relatório de Euclério, que não incluiu o ex-governador Renato Casagrande (PSB) entre os indiciados – principal motivo de o governador Paulo Hartung ter articulado a CPI.
Na sessão da Assembleia, Gildevan classificou a votação sem a sua presença como uma “manobra”. Ele disse que sustaria os atos da reunião extraordinária, consequentemente, anulando a aprovação do relatório. Gildevan alegou que o pedido de vista que fez na última reunião, dia 15, só se encerraria nesta quarta (22), data da reunião ordinária da comissão.
O deputado Euclério contestou o líder do governo. O pedetista alegou que o artigo 83 do Regimento Interno da Casa diz que o prazo do pedido de vista termina na reunião seguinte. Como houve reunião extraordinária nesta segunda-feira, proposta pelo próprio Gildevan, o governista perdeu o prazo. Para Euclério, a comissão já havia encerrado os trabalhos com a aprovação do relatório.
Euclério negou que tenha havido manobra por parte dos membros da CPI para votar o relatório, e que a reunião foi legal, obedecendo ao Regimento da Casa. O pedetista lembrou ainda que a CPI não podia ser usada para “vingança pessoal”. O deputado não explicou o que “quis dizer com “vingança pessoal”, mas ficou claro que ele se referia ao uso político da CPI por parte do governador Paulo Hartung para incluir o rival Renato Casagrande como indiciado no relatório.
Euclério se irritou com as acusações de Gildevan que, mais uma vez, se comportou de maneira autoritária e desrespeitosa com os colegas que se recusam a abaixar a cabeça para o governo. “O que ele [Gildevan] quer é mandar nesta Assembleia mais do que os 30 deputados”, protestou.
O deputado Freitas, membro efetivo da CPI, também ficou contrariado com as acusações de Gildevan. Ele classificou como infelizes as declarações do deputado, que disse que a votação foi uma “manobra”. Freitas acrescentou que “manobra” foram os seguidos pedidos de vista (Erick Musso, Dary Pagung, Almir Vieira e o próprio Gildevan) somente para ganhar tempo, já que não houve nenhuma consideração dos deputados após os pedidos.
O deputado Enivaldo dos Anjos (PSD), que estava presidindo a sessão, disse que a Mesa Diretora se manifestará sobre o impasse criado na CPI dos Empenhos nesta terça-feira (21). Enivaldo pediu a ata da reunião contestado por Gildevan.
Ignorando a posição da Mesa, que prometeu se pronunciar nesta terça, Gildevan convocou uma nova reunião com os membros da CPI para a noite desta segunda.
A maioria dos membros da CPI não compareceu à reunião em protesto à manobra de Gildevan, que tenta atropelar uma decisão legítima da comissão.
Gildevan fez a reunião mesmo assim. Compareceram dois membros, Almir Vieira (PRP) e Erick Musso (PMDB), que é vice-líder do governo na Assembleia. Após a curta reunião, o deputado pediu que a Casa publicasse o ato de sustação lido no Diário do Poder Legislativo (DPL) na edição desta terça-feira (21). Ele também manteve a reunião desta quarta (22).
A decisão desesperada de Gildevan, que tenta anular uma reunião regimental e legitimar uma reunião “clandestina”, deve continuar repercutindo nesta terça na Assembleia. Membros da CPI que criticam a postura autoritária do líder do governo, devem consultar novamente a Procuradoria da Casa, que já havia se manifestado pela legalidade da votação que aprovou o relatório de Euclério. Seja qual for o desdobramento do imbróglio, o episódio deve abrir uma grande crise entre governo e Assembleia.
''Assembleia não aceita ser chicote''
O ex-governador Renato Casagrande se manifestou nas redes sociais sobre a polêmica em torno da CPI dos Empenhos. Ele disse que a “Assembleia não aceita ser chicote”, se referindo à tentativa do governador Paulo Hartung de interferir nas decisões dos Legislativo. “A CPI instalada na Assembleia Legislativa para apurar a existência de despesas sem empenho no exercício de 2014, último ano de minha gestão no governo do Estado, acaba de aprovar seu relatório final. Em respeito à verdade, meu nome foi excluído de qualquer insinuação de irregularidades, e registro aqui meu reconhecimento à dignidade dos membros da Comissão, que não se deixaram usar como chicote para satisfazer uma disputa mesquinha e meramente pessoal”.
Na hora que postou a mensagem, provavelmente, o ex-governador ainda não sabia da nova manobra do governista Gildevam Fernandes para reverter a votação do relatório que excluiu o socialista da relação de indiciados.
Casagrande ainda falou sobre os desdobramentos da CPI, que envolve cinco ex-secretários do seu governo. “Agora, caso o processo tenha prosseguimento na Justiça, a defesa dos secretários acusados provará que todas as despesas realizadas tinham reserva orçamentária e financeira, como atestou o Tribunal de Contas do Estado”.