Rogério Medeiros e Renata Oliveira
Fotos: Leonardo Sá/Porã
Eleito presidente da Câmara de Vitória em junho passado, o vereador Namy Chequer (PCdoB) vai comandar a Casa durante o processo eleitoral de 2016 e sabe que terá a dura missão de aliar a lealdade ao prefeito Luciano Rezende (PPS), de quem é líder do governo hoje, à fidelidade aos seus eleitores, os vereadores.
Ele acredita que a escola comunista que segue lhe dará condição de equilibrar os interesses para que a disputa política não atrapalhe os interesses da cidade. Nesta entrevista a Século Diário, o vereador fala da conjuntura política e da importância da Câmara no processo de 2016.
O vereador também comenta os interesses em pauta e a influência do processo eleitoral deste ano para a dinâmica da cidade, que é a segunda maior vitrine política do Estado, depois do Palácio Anchieta.

Século Diário – O vereador não é o primeiro comunista na Câmara de Vitória, porque esse título é de Hermógenes Lima Fonseca. Mas em termos de presidência, é o primeiro. Como vê isso?
Namy Chequer – Bom falar na eternidade da Câmara, porque estamos lançando um livro, agora dia 31 de dezembro, feito por um historiador consagrado, que é o Dr. Estilaque Ferreira. Ele conta a história da Câmara de Vitória, que é a mais antiga instituição do Espírito Santo. A outra instituição tão antiga como a Câmara já acabou, que eram as Capitanias Hereditárias. Ela é anterior ao governo do Estado, ao Judiciário, às forças militares, às Polícias e uma das mais antigas do Brasil, porque Vitória está entre as cidades mais antigas do País.
A Câmara cumpriu um grande papel na Independência nacional, mandando para São Paulo um documento de apoio à Proclamação da República. Tem todo um passado de grandes momentos. Por ali passaram alguns governadores: Muniz Freire, Afonso Cláudio, José Ignácio, Gerson Camata….por ali passaram senadores, o próprio Atílio Vivacqua. Figuras importantes, e por causa dessa importância, os vereadores devem se dar importância, pelo fato de sentarem em uma cadeira que já foi ocupada por grandes vultos da história do Espírito Santo. Eu sou um comunista, que já tem alguns mandatos, e a cidade é muito arejada do ponto de vista político e sempre comportou um comunista atuando lá dentro. Até hoje, o recorde de Hermógenes não foi batido. Ele se elegeu e puxou mais seis na legenda, o último teve 30 votos. Os comunistas sempre foram prestigiados na cidade.
– Mas na Praia do Canto e Praia do Suá vocês são detestados. Pula essa parte e reata em Camburi…
– A nossa população conservadora, que é a classe média alta, muito numerosa em Vitória, ocupa essa região, as ilhas até Mata da Praia é conservadora, e muito, mas ela nem sempre consegue eleger o prefeito. Ela se divide muito na escolha do prefeito e dos vereadores. Vitória foi a primeira capital a ter um prefeito do PT, por exemplo. Porque ao mesmo tempo, é uma cidade formada por muitos trabalhadores: do porto, da Vale, CST [ArcelorMittal] e bancários.
– Isso explica o que você disse aqui em sua última entrevista da “maldição da Câmara”. Por causa dessa heterogeneidade, é difícil a Câmara eleger um deputado estadual, não é? E esse ano se manteve a maldição.
– Infelizmente, a Câmara não tem um histórico muito bom na eleição de deputados.
– Mas desta vez foi muito bem. Só levar em consideração a votação que teve Devanir Ferreira (PRB), que só não foi eleito porque o prefeito jogou a máquina em favor do vice, Waguinho Ito (PPS), que teve 11 mil votos em Vitória e prejudicou o Devanir.
– Sim. Os vereadores não foram eleitos, mas tiveram bom desempenho eleitoral. Tem lá o Max da Mata (PSD), que é suplente, e Devanir é primeiro suplente de deputado federal. Wanderson Marinho (PRP) foi muito bem votado para deputado estadual. Todos tiveram boas votações e estão em condição de se reeleger em 2016.
– O vereador será o presidente da Câmara nesse período pré-eleitoral e eleitoral. Como vai lidar com esses interesses?
– Os vereadores estão no projeto de reeleição. A largada foi dada com essas articulações que estão se dando agora. O prefeito de Vitória, Luciano Rezende (PPS), também está nesse processo. A obrigação de quem está com um bom desempenho na cidade é ser candidato à reeleição. O que se trata agora é como coordenar as eleições. O prefeito vai marchar com quem? Por que os vereadores estão com esse nível de exigência com o prefeito? Por coincidência, metade dos vereadores da Câmara é dirigente partidário. Eles não são só vereadores. São vereadores e presidentes ou estaduais ou municipais de vários partidos importantes. Então, eles estão se movimentando nas duas condições: de vereadores que querem a contrapartida ao apoio à prefeitura e também como dirigentes partidários que estão já com a agenda de 2016 em desenvolvimento. E eu vou cumprir o papel de manter minha lealdade política ao prefeito, porque o meu partido apoiou o prefeito e eu sou líder do governo, então eu tenho que manter a minha lealdade política e eles sabem disso, minha gestão será na base da lealdade. E manter a fidelidade aos meus eleitores na Câmara de Vitória, que são os vereadores. Foram eles que me elegeram. Os 15. Não tive nenhum voto contra.
– E como lidar com esses conflitos de interesse? Como vai transitar entre a lealdade e a fidelidade?
– A harmonia entre a prefeitura e a Câmara pode ter a minha colaboração, mas os protagonistas são os vereadores, individualmente e coletivamente, e o prefeito. A iniciativa tem de ser dos interessados no plano político. Eu tenho que investir na harmonia. Leal ao prefeito e fiel aos vereadores, tenho que investir na harmonização.

– Mas vamos pegar um caso específico, que é esse do Devanir, prejudicado pela atuação em favor do vice. Dois anos depois de iniciada a gestão, não há uma compensação para esse pessoal.
– Os vereadores estão diante e o prefeito também… estamos todos diante de uma nova correlação de forças no Estado. Nós não podemos mais raciocinar como raciocinávamos diante de um quadro que havia até agora. A partir de janeiro haverá um novo quadro. Isso vai instar todos a uma nova articulação neste Estado. O prefeito vai ter de levar isso em conta e os vereadores também. Até porque, a previsão é de uma intensa disputa em 2016.
– Ou seja, essa nova conjuntura, que foi estabelecida pela disputa ao governo do Estado, vai influir politicamente nas eleições de 2016.
– Sim, porque a disputa em Vitória é importante para o cenário político de 2018 e o quadro que haverá na cidade pode se acirrar por isso, com as lideranças disputando o espaço político dentro de um quadro de disputa lá na frente.
– Neste sentido, temos o ex-prefeito de Vitória João Cose (PT), que soube lidar com a Câmara e durante oito anos não teve problemas de destaque com os vereadores, e o que o governador eleito, Paulo Hartung (PMDB) deve apoiar, e o governador Renato Casagrande (PSB), que não tem outra saída senão disputar a eleição em Vitória ou em 2018 seus funerais políticos já estarão em missa de ano. Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB) será candidato novamente? Se o PT entrar, o PSDB deve entrar e o governador não terá como segurar. Além disso, ele gosta quando há um campo pulverizado porque ele age bem dentro desse campo. Tudo isso vai para dentro da Câmara, porque todo mundo precisa de tempo de TV. Luciano está mal nessa articulação, porque ganhou a eleição, mas aqueles aliados não estão com mais e o PPS não tem condição de crescimento sem os vereadores.
– Por isso eu digo que a expectativa é de uma eleição muito acirrada em 2016. Todos esses nomes: Coser, Luiz Paulo, Rose de Freitas {PMDB], Lelo Coimbra [PMDB], César Colnago [PSDB], Renato Casagrande e outros nomes que podem aparecer, todos eles se julgam, e têm razão de se julgarem, em condições de ir para o segundo turno. Você pode duvidar que Luciano com a máquina na mão pode ir para o segundo turno? Você pode duvidar que Coser não consiga ir para o segundo turno? Todos eles se julgam em condições. Isso pode estimular uma disputa muito acirrada na cidade.
– E a primeira disputa será pelas forças políticas, o que volta o cenário para dentro da Câmara…
– Com muitas disputas você pode ter também todo mundo com um tempo bem menor na televisão. Aí vão ser dois minutinhos para cada um. Com muito candidato não se resolve na televisão, vai ser uma disputa de rua. Você vê uma situação diferente com a Dilma, que sozinha tinha o dobro do tempo do Aécio Neves e da Marina Silva somados.
– Mas isso também pode acontecer.
– Pode, se houver duas ou três candidaturas somente.
– E nesta lista de candidatos, qual a sua preferência?
– (risos) Rapaz, é tanto candidato que o PCdoB pode lançar um também.
– Você vai ter que administrar os vereadores nesse conflito…
– Os vereadores sabem dessa influência deles no processo, sabem que a coisa vai passar por eles, por causa desta condição de dirigentes partidários. Os vereadores terão um papel protagonista em 2016 e eles sabem disso. Essa Câmara tem uma outra característica também muito importante nesse jogo. Só tem 15 vereadores. Uma Câmara com poucos vereadores é uma Câmara com poderes hipertrofiados. Cada vereador é hipertrofiado.
– Porque evita que muita gente seja vereador…
– Foi um erro a diminuição. Eliminou um monte de candidatos. Não sei se a cidade vai assimilar isso, mas existe um movimento pela cidade para discutir o número de vereadores.

– Serra, Vila Velha, Cariacica, tem cidade do interior com o mesmo número de vereadores que Vitória. Agora, quem tem de mexer naquela lei orgânica? Legalmente, são os vereadores. Mas os vereadores de Vitória não vão aumentar o número de representantes se isso não for uma demanda da cidade. Se os movimentos sociais, o CPV [Conselho Popular de Vitória], que reúne 90 centros comunitários, os movimentos sindicais provocarem, os vereadores aumentam. Mas só movimento particularista dos vereadores, dificilmente vai mudar isso.
– Por interesse político ou medo de desgaste com a mídia?
– Prevalece a opinião formada, forjada pela imprensa.
– Porque o vereador é a base da cadeia alimentar. É mais fácil bater no vereador?
– A cara mais fácil de ser batida é a do vereador. Ele anda na rua o dia inteiro, não tem o poder de investir na mídia, não tem o poder que tem a Assembleia Legislativa, o Judiciário, o Executivo, então ele fica sujeito a isso tudo. Sobretudo, porque é um poder muito transparente e exposto. Os defeitos e as fragilidades ficam às escancaras. E temos as qualidades da Câmara que não são fortemente divulgadas. Aí a Câmara fica na defensiva ao enfrentar uma questão como o número de vereadores. Fica na defensiva, esperando que a cidade mande essa demanda para lá.
– Voltando ao processo eleitoral, essa posição em que o vereador está, não dá empate, ou se sairá muito bem ou muito mal no processo eleitoral, nesse cargo de mediador de conflito. Como vê esse papel que vai desempenhar?
– Olhando panoramicamente, observa-se que os vereadores resolveram, todos eles, eleger para presidente da Câmara alguém que também tem uma articulação com o prefeito, porque estava na condição de líder. O gesto dos vereadores é de um aceno em favor da harmonização. Porque o prefeito, justiça seja feita, não quis impor aos vereadores nenhuma candidatura contra a vontade deles.

– O vereador foi eleito, então, pela capacidade de articulação com o prefeito?
– Eu não tenho encrenca com o prefeito, nem com nenhum vereador, nem com o governador, com nenhum senador, eu não me descaracterizo como comunista, marxista, leninista, por ser um político que trata a política como tem de ser tratada. Por esse fato de não ter atrito pessoal, encrencas irremovíveis, meu nome apareceu como o nome mais adequado para aquele momento. Foi um lance de momento. Não era candidato a nada, já vinha cogitado, porque na condição de líder já trabalhava na tabelinha com o presidente Fabrício Gandini [PPS]. Nunca tive a tradição de aliança com Gandini, mas houve a aproximação.
– Havendo crise, seja administrativa e política, vai utilizar a escola Aldo Rebelo de gestão de crise?
– O PCdoB é a melhor escola política do Brasil. O Aldo é um aluno nosso nesta escola. Ele realizou façanhas, quando queriam impichar o Lula, em 2005. Ele virou presidente da Câmara e ninguém ficou insatisfeito, deu tudo certo. Depois veio o Código Florestal também numa luta de vida ou morte entre latifundiários e sem-terra, entre ambientalistas e agronegócio, Aldo conseguiu aprovar um código com 404 votos. Depois, não ia ter Copa, não ia ter aeroporto, e no final deu tudo certo. Então, Aldo é dessa escola de harmonização sem que as forças políticas tenham de se descaracterizar. Ninguém vai deixar de ser de esquerda ou de direita, ninguém. Todo mundo pode ter a posição que quiser, ser liberal, neo-liberal, conservador, mas a harmonia é no sentido de manter a disputa nos padrões democráticos. E nisso eu posso colaborar, porque eu não fui escolado para investir na desagregação, a minha escola é na agregação.