Renata Oliveira e Nerter Samora
A PEC que possibilita a reeleição do presidente da Assembleia Legislativa foi vista nos meios políticos como uma demonstração de força dos deputados. A manobra é uma estratégia de um grupo de deputados para se proteger do governador eleito Paulo Hartung (PMDB). Papo de Repórter analisa a movimentação da Assembleia e os desdobramentos da manobra.
Nerter – Após a acirrada disputa que culminou com a reeleição da presidente Dilma (PT), a classe política retornou o seu foco para os movimentos locais. O fato político que causou mais polêmica esta semana foi o requerimento assinado por um grupo de deputados estaduais – inicialmente eram dez, mas que subiu para 11 parlamentares – para a aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que permite a reeleição à presidência da Casa por tempo indeterminado. Segundo o grupo de onze deputados que defendem a proposta, a PEC visa a corrigir uma inconstitucionalidade cometida em 2003, quando a Assembleia, pressionada por escândalos da chamada Era Gratz, mudou sua dinâmica. Mas, nos meios políticos, a movimentação dos deputados foi entendida como um recado direcionado ao governador eleito Paulo Hartung (PMDB). Numa tentativa de se proteger, os parlamentares criam a brecha para que o atual presidente Theodorico Ferraço (DEM) possa ser reconduzido ao cargo. Tudo aquilo que Paulo Hartung não quer.
Renata – É como diz a máxima: “cachorro que já foi mordido por cobra, tem medo até de linguiça”. Os deputados se anteciparam e fizeram um movimento de proteção e usaram o “homem-bomba” como arma. Depois de oito anos com um perfil subserviente, a Casa sente que com a ascensão de Ferraço à presidência, a dinâmica passou a ser diferente. Não que a Casa tenha deixado de ser submissa, no sentido de aprovar todos os projetos que chegam do governo do Estado, mas a relação com o Executivo é diferente. Os deputados querem evitar aquela forma unilateral de relação que existia na outra passagem de Hartung pelo governo. Mas o que intriga é o silêncio de Hartung nesta discussão.
Nerter – Bom, para todos os efeitos, os deputados estão apenas corrigindo uma distorção. É um bom teste para Hartung. Se ele meter a mão nisso pode entrar já derrotado. A cabeça de Theodorico Ferraço é um campo confuso, não se sabe que tipo de reação ele pode ter se contrariado. Hoje ele diz que não teve nada a ver com a manobra, que não tem interesse em se reeleger, mas defende a correção de uma “inconstitucionalidade” cometida lá atrás. Se o governador eleito resolver ingerir pode acabar desestabilizando sua relação com Ferraço, que é sempre instável. Se Ferraço decidir que vai ser presidente da Assembleia, pode criar um problema para o governador eleito, pois ele tem condições de colocar a Assembleia contra Hartung. Então a melhor estratégia neste momento é cozinhar o galo.
Renata – É verdade. Hartung vai deixar a coisa rolar, pode ser que depois aja nos bastidores com seus aliados. Mas entrar em rota de colisão com Ferraço não seria uma boa ideia. Por isso mesmo Hartung pegou um avião e deixou o Estado, vai ficar fora até o dia 17, bem longe da marola que isso pode gerar…
Nerter – Falando nisso, não podemos deixar de registrar que a viagem do governador eleito ocorreu no pior momento possível, diante das fortes chuvas que atingiram, principalmente, a região da Grande Vitória. Não é nada parecido com a tragédia das chuvas de dezembro do ano passado, mas a viagem lembra muito outra escapada, que rendeu bastante naquela ocasião…
Renata – Verdade. A população canela-verde em baixo da água e o prefeito Rodney Miranda (DEM) fazendo turismo em Nova Iorque…
Nerter – Neste caso, o criador que imitou a criatura. Mas feito o registro, vou deixar você seguir a sua linha de raciocínio (risos).
Renata – Como ia dizendo, Hartung tem desafetos na Assembleia, há magoas aí e esse grupo sabe que tem de se proteger porque quando Hartung quer, ele joga os desafetos no limbo político. Embora, o cenário seja outro e a Assembleia é um exemplo disso. Não dá mais para Hartung pegar aquele discurso de 2002, colocar um rótulo de crime organizado nos adversários e sair atirando para todos os lados. Esse discurso foi superado, não serve mais.
Nerter – Hartung só quer os bônus das movimentações, não vai assumir qualquer tipo de ônus. Mas de qualquer forma é uma maneira de os deputados mostrarem que a situação agora é diferente. Outras instituições também estão tentando fazer o mesmo, como o Ministério Público e o Judiciário. Pelo jeito, Hartung vai ter muita dificuldade em conseguir reerguer seu arranjo institucional. Mas, neste momento, ele parece estar focado em outro assunto. A queda de braço entre seu ex-secretário de Educação, Haroldo Correa Rocha e o presidente do Bandes, Guilherme Pereira, coordenadores das equipes de transição. Os ataques de Haroldo à política econômica do governo Casagrande mostra muito bem que Hartung retomou a estratégia de terceirizar as pancadas.
Renata – O grupo de Hartung vem criando um clima de descrédito do atual governo, difundindo a ideia de que o atual a gestão de Casagrande foi incompetente. Não é bem assim, mas isso causa uma apreensão no mercado político, fica entendido o recado de que quem estava com o governador Renato Casagrande na campanha vai passar pelo mesmo processo. E vai, não é? Hartung não é do tipo que derrota o adversário e segue sua vida normalmente. Ele guarda mágoa. Seus adversários, em sua passagem anteriores pelo Palácio Anchieta, que o digam. Daí a tentativa desse grupo na Assembleia em se proteger.
Nerter – Acho que não há clima para que Hartung adote essa posição. Vai ser muito difícil convencer os antigos integrantes do arranjo institucional a retomarem essa aliança. Hartung tentará, com a ajuda da imprensa corporativa, desconstruir a imagem de seus desafetos, por meio do discurso do combate à velha política, mas não tem mais aquelas armas. Ele mesmo colocou fim ao discurso do crime organizado, quando anunciou abrir mão de seus seguranças particulares disse que não havia mais necessidade porque o momento é outro. Admitiu que o “crime organizado” foi exterminado.
Renata – Além disso, há uma agenda colocada para o Estado. Hartung diz que vai investir na educação, que vai fazer ocupação social, que vai dar uma sacudida no Estado, seja lá o que isso queira dizer. Então, ele terá que mostrar serviço. Ele não é mais um político imune a cobranças e não vai adiantar deixar discursos vazios por quatro anos, ainda mais se pretende eleger um sucessor ou concorrer a um cargo de senador em 2018.
Nerter – Isso é verdade, mas não podemos desconsiderar a genialidade política do governador eleito. Porque mesmo sob contestação dos integrantes do seu famoso arranjo, não me parece que vá surgir uma voz de oposição nesse processo, como chegou a ensaiar Casagrande após a sua derrota. Neste caso, a omissão do socialista poderá ser interpretada de outra maneira. Hartung poderá distorcer a realidade para defender a tese de que todas as acusações feitas contra ele durante a campanha eram descabidas. Mesmo que esse discurso de vítima seja uma mentiras repetidas à exaustão, como ele tem feito em todas as oportunidades em que falou à imprensa.
Renata – Da mesma forma que diz o adágio popular: uma mentira contada várias vezes acaba virando verdade. Aliás, nos últimos tempos no Espírito Santo, nunca se produziu tantas verdades absolutas.