Tarciso Vargas, que ocupava a subsecretaria de Trabalho do governo do Estado,deixou o cargo no início do ano para articular sua candidatura a deputado federal, mas abandonou o projeto por um chamado de seu partido, o PT.
A missão não era das mais simples, coordenar a campanha da presidente Dilma Rousseff no Espírito Santo. Com um histórico de derrotas no Estado, a campanha presidencial do PT tinha um objetivo claro: fazer com que Dilma vencesse a eleição em terras capixabas. Dilma não venceu no Estado, mas alcançou o segundo mandato com um desempenho bem acima do esperado pelos meios políticos.
Nesta entrevista a Século Diário, ele fala sobre a movimentação da militância durante a campanha e da necessidade de o partido repensar sua atuação no Estado. Para ele, o cenário atual afastou o PMDB do PT no Espírito Santo e, por isso, é preciso construir um novo projeto voltado para a esquerda. Tarciso não descarta, inclusive, o diálogo com partidos deste campo, como o PSOL.
Século Diário – A votação de Dilma no Estado foi surpreendente no segundo turno, mas não vimos o PT na rua, a não ser a 10 dias da eleição. Como coordenador da campanha da presidente no Estado, como avalia a campanha presidencial?
Tarciso Vargas – O resultado da eleição presidencial no Espírito Santo, tanto no primeiro quanto no segundo turno, foi espetacular para a presidente Dilma. Nós que ficamos esse período acompanhando de perto tanto a coordenação quanto a articulação e a inserção da nossa campanha, vimos uma participação popular muito grande e uma aceitação de nosso projeto. Essa campanha no primeiro turno, mesmo que lideranças da velha política não estivessem conosco, as lideranças populares estavam. Movimento sindical, social, popular, microempresários, trabalhadores rurais, todos estavam conosco, trabalhando diuturnamente nessa eleição.
– Menos o PT…
– Inclusive o PT. Obviamente, não tivemos uma presença maior no primeiro turno. Temos que compreender que haviam eleições parlamentares e as pessoas estavam fazendo suas campanhas. Eleições difíceis, já que as articulações foram no sentido de isolar nosso partido, mas o resultado das urnas demonstrou que não era bem assim. Eu mesmo, era candidato a deputado federal. No dia 3 de julho estava com a documentação pronta para ser registrada, porque vi a possibilidade de fazermos três federais, mas deixei a candidatura, em função de priorizar a campanha da Dilma, que até aquele momento estava sem alguém para coordenar. Então, é natural que as pessoas, ao ter suas candidaturas, se preocupem com ela.
– Mas se preocuparam demais. As propagandas estavam desvinculadas da campanha de Dilma, tinha um problema crucial do PT, que era Paulo Hartung (PMDB) no meio do caminho, então o bom desempenho de Dilma parece ter mais relação com o envolvimento dos movimentos populares e a boa campanha dela na TV. O projeto do PT nacional se vendia por si só.
– Acho que isso é o grande recado das urnas. Desde 2003 estive muito inserido na questão do trabalho, então acompanhei a mudança de realidade. Nestes 12 anos, aqui, se gerou quase 400 mil empregos com carteira assinada. Não é pouca coisa. As políticas de transferência de renda, bem estruturadas. O Espírito Santo é o que tem mais Centros de Referencia em Assistência Social (Cras) no País. Fora os outros investimentos sociais. O Mais Médicos tem 414 médicos no Espírito Santo.
– Mas contra isso você tinha a imprensa local bombardeando, para desconstruir essa imagem de que o governo federal investia no Estado. Se fez essa relação de investimento com a ausência de Dilma no Estado, havia sempre essa relação…
– Isso era de manhã, à tarde e à noite, e continua desse jeito. Mas a presença dela se fez pelas várias políticas e são muitas. O que sempre sonhamos podemos fazer nos últimos 12 anos. Isso repercutiu. O PT tinha um excelente programa de televisão. O João Santana fez um dos melhores programas políticos que eu já vi na minha vida nessa campanha. Isso deu um efeito muito bom. A gente não pode esquecer a ação que foi feita aqui, a militância e lideranças do campo popular, porque essa mesma ação que foi feita aqui, foi feita em outros lugares. Quando tem um processo eleitoral, sempre se conta muito com essas 'raposas políticas' e essa eleição no Espírito Santo mostrou que elas não têm o domínio do voto do eleitor que, na hora certa, decidiu corretamente.
No PT, sempre falamos que a escolha correta do eleitor nos últimos 12 anos permitiu que fizéssemos um projeto que está dando este resultado que está aí, principalmente para as pessoas mais humildes. Apesar de que, com o nosso PIB, que triplicou, quem ganhou mais não foram os mais pobres. Ainda continuam ganhando mais os ricos, banqueiros, oligopólios de mídia, etc. Mas a riqueza é mais dividida e o povo sentiu isso. Sem essas lideranças da velha política, o PT, o PCdoB e grande parte do PDT, que nos acompanhou em boa parte da campanha, entendem como recado das urnas que precisamos começar a construir um projeto sem essas lideranças, voltado para a esquerda.
– Se olharmos o mapa de votação do Brasil e do Espírito Santo, vamos notar uma certa semelhança com a parte de cima vermelha e a parte de baixo azul. Por que o desempenho de Dilma foi melhor nos municípios do norte do Estado?
– No Espírito Santo sempre tivemos mais dificuldade de nos organizarmos no sul do Estado, sempre foi assim, e sempre fomos mais fortes no norte do Estado. Mas é preciso ter cautela para separar e não dar um corte assim. Se formos considerar essa análise, podemos dizer que Paulo Hartung foi eleito pelos grotões do Espírito Santo. Essa divisão não é retilínea.
– Há uma diferença entre esse sucesso da campanha de Dilma e o desempenho do PT local. O candidato ao governo teve o pior desempenho do País. Os deputados federais eleitos foram vitoriosos porque um é vice-governador e tinha o poder da máquina e o outro pelo desempenho ruim do sucessor na prefeitura. O candidato ao Senado perdeu a eleição e terminou em terceiro lugar. Além disso, há o problema de o PT não estar nas ruas e muitos candidatos sequer usarem a logo da presidente. Observa-se um sucesso da campanha presidencial e um fracasso do PT local.
– Eu não acho que foi um mau resultado. A única derrota grande que tivemos foi a não eleição do senador. Isso ainda estamos debatendo dentro do partido. Foi uma perda para a governabilidade de Dilma, pois ter mais um senador seria importante para nós também em nível nacional, para reforçar a base da presidente. Quanto ao governo, há 20 anos o PT não tinha candidato. O último candidato que tivemos foi Vitor Buaiz e depois dele o PT nunca mais teve candidato ao governador. De uma só vez, tínhamos três candidaturas majoritárias: presidente, governador e senador. Perdemos até o jeito de fazer candidatura majoritária. A campanha da Dilma já veio pronta, com programa de TV muito bom, material de campanha, não produzimos quase nada aqui e também não tinha o que inventar. Já nas candidaturas a governador e a senador tinha que ser tudo produzido. A candidatura a governador eu defendia há mais de anos que deveríamos nos preparar, porque analisava um cenário de que a tática da oposição era dividir a nossa base.
O surgimento da candidatura de Eduardo Campos tinha esse objetivo. E esses projetos nacionais iam se refletir no Estado. Você tinha a candidatura do ex-governador Paulo Hartung se colocando mais firmemente, o Renato Casagrande como governador, o PT fazendo parte do governo. Como ficaríamos nesse cenário? Então, era prudente que analisássemos a possibilidade de ter uma candidatura a governador. Na conversa que tivemos com o presidente Lula, em novembro, foi dito para não descartarmos a possibilidade de ter candidatura própria e acho que foi bom, porque com aquele tempo de televisão, permitiu abordar as questões locais, que o programa nacional não falava, e Roberto Carlos complementou.
– Ele só falava de Dilma porque não podia falar de Paulo Hartung. Coser tinha uma candidatura próxima de Paulo Hartung. Inclusive houve um aval da Executiva para isso. Ele não usava o nome de Dilma, nem usou vermelho. A campanha foi toda em verde.
– É, acho que faltou um pouco de vermelho na campanha do João, mesmo tendo sido uma campanha bonita. Mas eu não acompanhei em detalhe nem a campanha do João nem a campanha do Roberto Carlos, porque a partir do momento em que assumi a campanha da Dilma, me foquei nisso e já era coisa demais. A gente conversava de vez em quando, mas foquei mais em tentar motivar as pessoas na campanha presidencial, mesmo com toda a dificuldade do primeiro turno. Temos que considerar que a legislação que está aí não se sustenta, é um absurdo. Não tem como continuar a fortalecer a democracia com essa forma de fazer política. Teve de tudo nessa eleição.
– Mas e o PT daqui?
– O PT saiu fortalecido também. Elegeu pela primeira vez dois deputados federais, isso é importante para a governabilidade, principalmente neste momento em que o PT perdeu em São Paulo e Pernambuco. Em Pernambuco, sim, tivemos uma derrota, não elegemos nenhum deputado federal.
– E as derrotas em Colatina e Cachoeiro, dois municípios administrados pelo partido, como avalia?
– Se você for analisar pontualmente, vai encontrar problemas aqui e acolá, mas se for considerar isso também, vamos observar que a presidente Dilma teve êxito em municípios de outros partidos que não estavam apoiando o PT.
– Já existe uma leitura da eleição feita pela Articulação de Esquerda que aborda esses aspectos, como a situação do partido na eleição e a relação com Paulo Hartung. A bancada na Assembleia é ligada a ele, a federal também está próxima. O destino do PT é cruel, vocês estão contaminados por essa lógica.
– A questão não é essa. Nos últimos 12 anos houve essa lógica da unanimidade e o PT fez parte dela, então, não tem como não estar contaminado por isso. Paulo Hartung é do PMDB, apesar de não estar com o PT aqui…
– Esteve com o Aécio Neves (PSDB), aliás, é a primeira vez que ele se define.
– Pois é. As coisas estão mudando…[risos]
– Está assumindo um risco, porque ele continua criticando a Dilma.
– Ele assumiu um risco e acho que ele errou. Na minha opinião, Hartung estava fora da eleição no segundo turno, fez uma avaliação de que o Aécio iria ganhar, entrou na campanha, participou daquela caminhada em Camburi, e Aécio perdeu.
– E continha mandado recados para Dilma. O PT vai continuar com Paulo Hartung?
– Acho que ele fez uma opção de nos deixar de fora. Ele fez a opção. Em um dado momento, o PT estava dialogando com o PMDB e com o PSB, os dois nos deixaram de fora, o que nos levou a colocar uma candidatura própria. Essa é uma decisão que parece que ele já tomou. A política já ajudou a resolver isso.
– A relação dele com o governo federal afeta a relação dele com o PT no Espírito Santo?
– Se ele continuar falando que vai fazer oposição, críticas ao governo federal, mesmo estando no PMDB, vai ter dificuldade. Tem que esperar para ver como vai ser daqui pra frente. Mas eu acho que o PT do Espírito Santo sai dessas urnas com um recadão. Está na hora de buscar parceiros e construir um projeto no Espírito Santo mais à esquerda, porque a votação de Dilma credencia o partido e os atores políticos que são importantes, como os movimentos sociais. Eles mostraram que é possível construir um projeto e ser vitorioso no Espírito Santo. Pontualmente, existem alguns problemas. As eleições de 2016 dependerão da construção desse projeto. No que depender de mim, vou defender a construão de um projeto com esse campo que ajudou a eleger Dilma e analisar os novos cenários. Podemos ter mudanças no cenário nacional, que podem influenciar aqui. Mas o cenário mostra que temos campo para atuar, independentemente desses atores que estão aí.
– Há uma tensão neste período pós-eleitoral em se reagrupar a unanimidade, ou agregar os partidos, excluindo um ou outro. Isso é possível depois dessa eleição, que foi muito dura?
– Muito dura e ideologizada. Acho que foi muito elucidativa em muitos casos. Se fala em desconstrução da imagem do PT, mas o que a presidente Dilma sofreu nesses últimos três anos não foi pouca coisa. Vencer essas eleições foi a consolidação de um projeto, mas temos que olhar para frente, porque o Brasil mudou. A identidade com o projeto de Dilma é muito grande, não podemos continuar com essa democracia representativa, temos que avançar no caminho de uma democracia direta. E isso se reflete aqui.
– E qual o destino do PT no Espírito Santo?
– Acho que o destino do PT aqui é construir um projeto com esses partidos, com uma visão mais à esquerda para governar o Espírito Santo. Aproveitar que o Estado está em um período muito bom, apesar de dizerem que não. Em 2004, o repasse dos royalties de petróleo foi de R$ 63 milhões. No ano passado foi de R$ 2,5 bilhões e isso se deve ao governo federal. Então, temos que ter um projeto aqui que faça com que esses recursos cheguem a quem precisa.
– Então o PT vai começar a construir um projeto próprio no Estado?
– Acho que tem que ir além. Não pode ser só do PT. Um ponto que foi uma força imensa nessa campanha foram os movimentos sociais. Temos que aprender a trabalhar a horizontalidade. Como construir isso é o nosso grande desafio. Se fizermos isso, disputamos em 2018, com esse movimento, que já fizemos em 1994, com Vitor e, infelizmente, tivemos um governo federal tucano, que não ajudou o Espírito Santo.
– Mas que quadros vocês têm para isso?
– Temos bons quadros, o Helder Salomão, o Givaldo Vieira, e tem outros nomes. Dos outros partidos também podem surgir. Temos que dialogar mais com os outros partidos. Olha que coisa boa foi essa menina do PSOLl, a Camila Valadão. Mesmo com uma votação pequena, teve um desempenho magnífico. Temos que dialogar mais, ouvir mais a esquerda. Muitos vieram para a campanha, outros voltaram. Temos que dialogar com esse povo, ouvir as críticas nossas e deles. É um enorme desafio para o PT do Espírito Santo, não de ser o dono dele, mas de ajudar a fazer essa construção pela esquerda. Eu estou muito otimista em relação a isso e acho que temos um campo grande para construir no Estado.
– Falando das municipais, o PT teve seu momento mais forte até 2008, com quatro prefeituras: Vitória, Cariacica, Colatina e Cachoeiro de Itapemirim. Perdeu as duas na Grande Vitória em 2012 e os prefeitos do interior estão em segundo mandato e com os adversários fortalecidos para a disputa. Há problemas para o partido no futuro próximo, se quiser chegar ao governo em 2018.
– As eleições municipais vão se dar em um outro cenário. Nessa eleição as prefeituras foram importantes, mas não foram fundamentais, porque em segundo mandato, a maioria dos prefeitos está em dificuldades. Acredito que vamos chegar às eleições de 2016 em boas condições. Não saímos dessa eleição como muitos queriam, mas esse discurso de que o Espírito Santo renegava o PT não é verdadeiro. Cabe a nós agora analisar o resultado das urnas e fazer uma construção adequada. Aquela construção que governou o Espírito Santo por 12 anos, a própria eleição já demonstrou que não existe mais. Tanto o ex-governador, como o atual, ficaram distantes do PT.
Cabe a nós ter juízo para fazer uma construção diferente, mais colada no governo federal. Essa é a grande preocupação minha e de muitos companheiros. Temos que acompanhar mais de perto o que o governo federal faz aqui, porque o que ocorre é que muitas ações que não dão certo ficam na nossa conta e o que dá certo fica na conta dos outros. Se você olhar o mapa eleitoral, na maioria dos municípios que Dilma ganhou, Paulo Hartung ganhou também. Isso significa que nós não estamos sabendo capitalizar no Espírito Santo as ações do governo federal para as nossas lideranças.
– Mas não é a identificação do PT com Hartung, porque o partido fez parte do governo dele?
– Fez parte do governo de Casagrande também…
– Mas ficou mais tempo com Paulo Hartung …
– A identificação com o PSB é maior partidariamente. Mas não é isso, o problema é capitalizar em favor do PT o que de bom foi feito. Não temos capitalizado.
– Mas não há a possibilidade de o PT fazer oposição a Paulo Hartung, não é mesmo?
– Isso o partido vai definir. Se for considerada a posição política, ele já definiu que nós estamos fora. Foi ele quem definiu, ele e o Renato Casagrande. Agora, começa o processo de construção do governo. Não sabemos qual será o comportamento dele. Eu defendo que deveríamos construir um projeto baseado no que o resultado das urnas nos deu, e quase a metade do eleitor capixaba aprovou o projeto da Dilma, que é mais à esquerda. Temos um campo para atuar, independentemente de 2016 e 2018.