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???Temos de dar o direito ao eleitor de cobrar de quem ele realmente elegeu???

Fotos: Leonardo Sá / Porã

O advogado Luciano Kelly do Nascimento acompanha o processo de discussão da reforma política, e com a aprovação em primeiro turno de uma série de itens da proposta, é possível fazer uma avaliação do que houve de mudanças. Para o advogado, os avanços foram poucos. 

 
Nesta entrevista, ele faz uma abordagem técnica dos principais pontos aprovados e rejeitados na Câmara dos Deputados e projeta o que pode ser modificado no Senado. Para o advogado, em um Estado de eleitorado pequeno, como o  Espírito Santo, o maior prejuízo está na rejeição da mudança do sistema eleitoral. 
 
Luciano Kelly do Nascimento acredita que alguns pontos podem parecer positivos a princípio, como o voto impresso, mas em locais isolados, podem reforçar o voto de cabresto. Ele também comenta sobre as doações de campanha e as brechas que vêm criando inseguranças políticas com outro remendo da legislação eleitoral, a Lei da Ficha Limpa. 

 
Século Diário – Terminada a votação em primeiro turno da chamada reforma política, qual o balanço que o senhor faz sobre as medidas aprovadas pela Câmara dos Deputados?
 
Luciano Kelly do Nascimento – Eu, particularmente, achei que foi pouco. Esperava muito mais dentro do que a gente vem sentindo que é o anseio de todo mundo em relação ao sistema eleitoral atual. Acho que foi um avanço pequeno e eu esperava muito mais. 
 
– Há uma grande possibilidade de alguns dos pontos aprovados na Câmara serem derrubados no Senado. Quais as probabilidades de que caiam dentro daquele pacote de mudanças aprovadas na Câmara? 
 
– Acho que especialmente o que atinge diretamente o Senado. A redução do mandato dos senadores de oito para cinco anos, e a redução da idade de 34 para 29 anos para a candidatura de senador. São pontos que são específicos do Senado. No que se refere ao que foi rejeitado, não vejo possibilidade de aprovação.
 
– O senhor se refere ao mandato vitalício ao Senado…
 
– Esse eu espero que não seja aprovado nunca.
 
– Beira o absurdo.
 
– É assustador que alguém tenha proposto isso. Não é por acaso que não teve nenhum voto pela aprovação. Acho que nem quem propôs teve coragem de votar a favor, de assumir.
 
– Na sua opinião, qual foi o principal prejuízo dessa reforma? 
 
– Acho que o pior cenário que a gente enxerga nessa reforma é relacionado à rejeição da alteração do sistema eleitoral. 
 
– As propostas apresentadas eram: lista fechada, voto distrital misto e distritão. Qual delas seria melhor?
 
– A melhor proposta é de se eleger quem realmente foi votado. Hoje o cenário retira a legitimidade dos eleitos e afasta o eleitor daquela pessoa em quem ele votou. Temos muito mais uma situação de eleger o candidato do partido do que o candidato do próprio eleitor.

– Houve uma situação dessas na eleição de 2014, com o candidato Vandinho Leite, que foi o quinto mais bem votado do Estado e ficou fora da bancada por causa da legenda. Já os pequenos, alegam que isso ajuda na eleição de quem tem pouco voto, e não tivemos nenhum eleito que alcançou o quociente eleitoral. Isso prejudica mais do que ajuda?

 
– Esse sistema atual, sim. Acho que temos de dar o direito do eleitor cobrar de quem ele realmente elegeu. Na forma que é hoje, ele vota na coligação ou em um partido, e elege um candidato que, às vezes, não está em sintonia com a expectativa do eleitor. Se nós tivéssemos um sistema eleitoral em que as ideias partidárias e as ideologias fossem respeitadas, em que os programas partidários fossem respeitados, ótimo. Poderíamos votar no partido e o partido definiria quem, segundo aquela ideologia, teria condição de tocar os programas de acordo com a escolha do eleitor. Mas a gente sabe que as  coligações viram fumaça depois das eleições e os programas partidários também.
   
– E sobre a proibição das federações partidárias?
 
– Achei correto. A gente viveria uma situação em que haveria uma fusão partidária temporária, e exatamente porque os partidos não têm uma ideologia clara, viveriam situações casuísticas contra os interesses da democracia e do eleitorado. Tem que se dar o direito do eleitor escolher quem ele quer que o represente, até para que ele possa cobrar. 
 
– É muito comum ouvir dos eleitores que votou em uma pessoa e acabou elegendo outra…
 
– Às vezes o eleitor nem sabe quem elegeu com o voto dele. Muitas vezes ele pode eleger alguém que vai contra seus interesses. 
 
– Comente dois pontos que estão intimamente ligados: a coincidência e o tempo de duração dos mandatos.
 
– Para a organização da Justiça Eleitoral, é conveniente que nós não tenhamos a coincidência das eleições. Imagine a propaganda eleitoral! De vereador a presidente, seria o dia inteiro de televisão. Teria o tempo de cada candidato apresentar suas ideias e movimentaria uma massa muito grande para essa eleição. 
 
– O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) era contra essa proposta, até porque, para julgar todos aqueles processos…
 
– Exatamente. Para a organização administrativa da Justiça Eleitoral, não é conveniente a coincidência das eleições. Acho que, ao mesmo tempo, quando se consegue unificar o tempo de mandato, temos um funcionamento melhor do sistema eleitoral. Para mim, parece adequado. 
 
– E não ter a reeleição e o mandato de cinco anos?
 
– Acho que não ter a reeleição, desde o tempo em que eu estive no TRE [Tribunal Regional Eleitoral], em 1999, membros do Tribunal já se posicionavam contra, pela dificuldade que é inerente a ela, pelas situações que vivenciamos. Enxerga-se a possibilidade de uso da máquina, o que acaba tumultuando o processo. É conveniente a reforma no sentido de se vedar a reeleição, para haver a alternância do poder. 
 
– Acha que diminuiria os casos de improbidade administrativa? A impressão é que quando o gestor fica muito tempo no mandato executivo, acaba cometendo mais erros…
 
– Hoje os mecanismos de controle são mais rigorosos. O Ministério Público faz um acompanhamento próximo disso, principalmente no interior. Eu não sei se a impossibilidade de se reeleger tenha influência nessa situação, até porque, se você não tem a chance de se reeleger, só tem aqueles cinco anos para trabalhar, não sabemos o efeito que isso pode ter.
 
Um dos pontos mais polêmicos da discussão da reforma foi o financiamento de campanha. Antes de toda essa discussão, o Supremo Tribunal Federal (STF) chegou a começar a julgar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), mostrando a ilegalidade da doação privada. O julgamento foi interrompido, até para se esperar essa definição do Congresso Nacional, o ministro Gilmar Mendes engavetou a questão, e agora foi mantida a doação de campanha privada, mas houve mudanças. O que achou?
 
– Acho que foi um avanço. Não é o cenário ideal.

 

– O cenário ideal seria o financiamento público?
 
– Exatamente. Mas quando temos a possibilidade de fiscalizar as doações das pessoas jurídicas, especificamente, para os partidos e não para os candidatos, temos um controle melhor. Evita essa situação que enxergamos em algumas situações daquela doação já visando um benefício na gestão seguinte. Então, hoje o partido fará a distribuição desse recurso de acordo com sua organização interna. 
 
– Na eleição passada, vimos um cenário em que muitas empresas fizeram apostas nos dois principais candidatos ao governo, em uma tentativa de não perder a aposta, independentemente de quem vencesse a disputa. É sobre essas movimentações que o senhor está falando? Aumentando esse controle, é possível evitar esse tipo de manobra?
 
– É. E você tem uma fiscalização melhor de doações não contabilizadas. Quando o caixa da pessoa jurídica disponibiliza um valor, há muito mais chances de você fiscalizar esse recurso que saiu por causa dos mecanismos de controle das pessoas jurídicas. 
 
– Mas isso não resolve o problema do desequilíbrio nas doações, não é?

 

– Realmente, não. O cenário ideal seria o financiamento público de campanha.
 
– E por que não sai?
 
– A gente acaba enxergando que os beneficiados são aquelas pessoas que definem como o processamento da matéria caminha. 
 
– Enquanto estiver na mão do Parlamento, será difícil ter um avanço neste sentido…
 
– Eu acho. O financiamento público teve apenas 56 votos a favor e 346 contra.  
 
– A instituição do voto impresso foi um avanço ou retrocesso?
 
– Eu particularmente confio muito no sistema e na segurança da urna eletrônica e há a possibilidade de pedir uma revisão nas urnas em casos de uma eventual desconfiança do resultado. Eu tenho uma preocupação de esse voto impresso ter um efeito contrário, principalmente nos municípios mais remotos, de o candidato que domina o eleitorado querer ver o voto.
 
– Aumentar a possibilidade de voto de cabresto.
 
– Exatamente. O eleitor ter de comprovar, em troca de algum benefício, em quem votou na eleição. Então, hoje, o sistema atual afasta essa possibilidade. 
 
– Então em sua visão foi um retrocesso?
 
– Acho que manter a posição hoje é melhor do que mudar.
 
– Outra questão de destaque foi a janela para a migração partidária e o aumento do controle da fidelidade partidária. Como viu essas medidas?
 
– Hoje a Constituição ainda não tem essa previsão. Temos uma norma que trata da infidelidade partidária, com a possibilidade de perda do mandato, de acordo com a avaliação da Justiça Eleitoral, caso a caso. E a norma passa agora a ter uma previsão constitucional. Acho que é razoável dentro do sistema eleitoral que nós temos hoje, quando o voto não é destinado especificamente ao candidato, mas à coligação e ao partido, por conta do sistema eleitoral, consequência lógica um do outro. Se nós tivéssemos o voto no candidato, essa norma nem seria discutida. Mas, pelas ressalvas que a lei faz e permite ao candidato sair do partido, acho que a situação é razoável. 
 
– Agora só será permitido em caso gravíssimo de ofensa e tal…
 
– Isso, e aí caberá à Justiça Eleitoral decidir e interpretar o que é caso gravíssimo.
 
– Esse é um problema, porque é muito subjetivo. O que seria um caso gravíssimo?
 
– Exatamente. Uma mudança de orientação, uma coligação não desejada, quer dizer, a Justiça Eleitoral é que vai decidir caso a caso o que é um caso gravíssimo. 
 
– Também foi rejeitada a necessidade de o candidato ter de apresentar um projeto de governo na Justiça Eleitoral…
 
– Eu acho que pelo processo democrático em que vivemos, isso seria muito mais uma prestação de contas ao eleitorado do que à Justiça Eleitoral. Acho que se o candidato se propõe a determinadas premissas de campanha que ele não atende, ele tem de responder ao eleitorado. 

– Uma discussão que é muito importante, mas causa incerteza sobre sua aplicabilidade, é a facilitação da apresentação dos projetos de iniciativa popular. Como viu isso?

 
– Isso foi muito importante. Acho que na prática se efetiva, sim. Caiu agora para 500 mil assinatura e 0,1% em três estados. Acho que facilita muito o acesso do eleitor. Mais uma vez, por conta do sistema eleitoral que nós temos, quando ele não se vê representado pelos congressistas, precisa ter mecanismos para fazer valer a sua pretensão como definidor dos rumos do País. Então, acho importantíssima essa definição e acho que vai funcionar, sim. 
 
– Para o Espírito Santo, que tem um eleitorado pequeno, qual o balanço, principalmente com a proximidade das eleições de 2016?
 
– Para 2016, essas regras ainda não valem, só para 2018. Por enquanto fica tudo do mesmo tamanho. Mas a nossa Justiça Eleitoral é muito atuante e a fiscalização é firme. Eu espero que as novas regras valham como formação de uma nova consciência para nossos candidatos e gestores. Eu lamento, novamente, que o sistema eleitoral não tenha sido alterado, porque para um estado pequeno, como o Espírito Santo, muito mais fácil seria para o eleitor cobrar de seu candidato eleito as posições que se espera para o Estado. Seria muito mais fácil saber que se eu votei em fulano, e é mais fácil encontrá-lo aqui, cobrar dele o posicionamento que eu quero que ele tenha em relação às propostas de campanha.
 
– Dos nossos 10 deputados federais, quase a metade é candidato a prefeito em 2016, e com chances de vitória. Então, você vota em um candidato para cumprir dois anos e depois um em que você não votou vai assumir, e mexe na metade da bancada…
 
– Exatamente. Um ponto que não é tão relevante, mas me pareceu justo, é relacionado aos militares que eram obrigados a se desvincular, os que tinham mais de 10 anos, e agora poderão voltar às suas carreiras como qualquer servidor público.
 
– E o contrário disso, tentou-se impedir que quem estava em mandato proporcional…
 
– Pudesse assumir disputar cargo no Executivo.
 
– E outra coisa absurda, de poder se candidatar a mais de um cargo…
 
– A tudo. De vereador a presidente, de uma vez só. Eu fico imaginando o que motiva uma proposta dessas…
 
– A Lei da Ficha Limpa completa cinco anos este ano e algumas candidaturas foram impedidas em eleições anteriores por causa dela. Mas há situações que eu gostaria que o senhor comentasse. Recentemente, o ex-prefeito de Linhares, o deputado estadual Guerino Zanon (PMDB), teve as contas rejeitadas pela Câmara de Vereadores. No final do ano passado, o ex-governador Renato Casagrande (PSB) também teve dificuldades com a Assembleia Legislativa por causa disso. Isso causa uma insegurança, porque pode haver movimentações para retirar dos pleitos candidatos fortes. Como vê isso? Uma lei que veio para moralizar as eleições, ser usada como ferramenta de adversários para tirar candidatos do páreo.
 
– Eu não sei se é o caso, mas eu tenho muita preocupação com esses julgamentos políticos. Acho que a única solução para isso é um julgamento técnico, com a representação pela aprovação ou rejeição.
 
– Sim, mas no Tribunal de Contas também tem o julgamento político, porque ele sai da área técnica com o parecer, que depois é avaliado pelos conselheiros…
 
– É, mas às vezes esse julgamento político do Tribunal é importante. Mas se a gente cai em uma situação, não sei se é o caso, mas quando a gente tem uma avaliação que é feita pela Câmara, que tem uma composição política adversária, é complicado. Esse é o problema. O Tribunal de Contas tem uma área técnica, como o Tribunal Regional Eleitoral também tem, e às vezes tem um julgamento diferente daquela recomendada pela área técnica. Mas há uma situação concreta no fato que justifica aquela decisão. Quando o julgamento é político e motivado por eleições futuras, isso preocupa muito.
 
– Se o gestor tem maioria na Câmara ou na Assembleia, ele garante a aprovação das contas, mas se é um legislativo adversário, ele fica refém daquela decisão…

 

– E as contas podem ser julgadas dentro do mandato do gestor, pode ter se afastado em outro mandato, e ter uma condição de adversários na administração visando à próxima eleição. 
 
– Até porque, nos dois casos, o parecer técnico é pela rejeição, mas sai do Tribunal com o parecer de aprovação com ressalvas, porque há uma grande confusão sobre o que é erro sanável e insanável. Para o eleitor fica apenas o aprovado ou rejeitado. Isso causa muita insegurança política.
 
– É uma questão de interpretação se o ato foi por má-fé ou se foi por um erro de gestão.
 
– Aí vai caber à Justiça eleitoral…
 
– Sim. Ai volta à questão casuística.
 
– Então, para os gestores que tiveram essa rejeição política, não é o fim da linha, não é?
 
– Não, de jeito nenhum. Até porque, certamente serão candidatos, será pedida a inelegibilidade e aí a discussão começa. 
 
– E para o processo eleitoral de 2016, o que poderemos esperar?
 
– É uma eleição mais movimentada, porque temos eleição em todos os municípios e, especialmente, com a crise que o País está vivendo, acho que é possível que tenhamos muitas mudanças nos comandos dos municípios, não por responsabilidade do gestor, mas pelas dificuldades que os municípios estão enfrentando para tocar seus negócios. 
 
– O Tribunal de Contas tem emitido alertas aos municípios e os próprios prefeitos têm reclamado muito de falta de recursos. Poderemos ter muitos problemas de improbidades no futuro? 
 
– Eu não sei se só de improbidade, mas de rejeição de contas pelo Tribunal em função da aplicação indevida de recursos, e no caso, não resta outra alternativa para o gestor. Contas assumidas e falta de recursos. Mas não é um cenário positivo para quem está à frente das gestões, não.

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