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‘Lutem como uma professora’, diz docente ameaçada por vereador

Ato mobilizou centenas de pessoas em solidariedade a Rafaella Machado depois de ataques de Gilvan da Federal

Organizado em menos de 24 horas, o ato em apoio à professora Rafaella Machado nesta segunda-feira (21) surpreendeu como uma resposta contundente às tentativas de intimidação capitaneadas por pais de alunos e pelo vereador de Vitória, Gilvan da Federal (Patri), por utilizar em suas aulas de inglês um conteúdo que falava sobre a questão LGBTQIA+. Cerca de 350 pessoas compareceram em frente à Escola Estadual de Ensino Médio Renato Pacheco, no bairro Jardim Camburi.

“Rafaella Machado, estamos com você”, foi um dos gritos que ecoaram com força durante a ação, que teve início por volta de 17h na Praça Nilze Mendes, que fica a uma quadra da escola. Com máscaras de proteção e cartazes em punho, os manifestantes seguiram até a entrada do colégio para receber a professora depois do trabalho, já que Gilvan havia afirmado que a iria “aguardar na saída” nesta segunda-feira. O vereador não foi visto no local.

Facebook/ Iriny Lopes

Às 18h25 a professora saiu da escola sob gritos de apoio vindos do lado de fora. Sua camisa dizia “Lute como uma garota” e logo Rafaella recebeu flores e empunhou uma bandeira LGBTQIA+. Uma aluna leu uma curta nota de apoio, que foi repetida em jogral pelos presentes. “Queremos dizer que repudiamos qualquer tipo de intimidação e ameaça contra qualquer pessoa. Defendemos a liberdade de expressão e de ensino”.

Ao final, a professora se manifestou aos presentes. “Eu não sou o tipo de professora que se acua facilmente. Eu confesso que é estranho, é assustador no começo. É assustador num estado democrático permitirmos que isso siga acontecendo com professores. Não é a primeira vez que o vereador Gilvan ataca professores. E ele tem uma preferência por mulheres”, disse Rafaella emocionada.

Ela afirmou que Gilvan sabia que o diretor da escola não estaria presente na última sexta-feira, quando foi à EEEM Renato Pacheco. “Ele iria tentar nos acuar porque somos todas mulheres, eu, a coordenadora e a pedagoga. Mas o que acontece é que o tiro saiu pela culatra. Porque nós somos todas mulheres fodas e não abaixamos a cabeça para racismo, machismo, misoginia e todo tipo de preconceito”, falou em discurso aos presentes.

“Eu sou combatente do discurso de ódio. Eu combato discurso de ódio dentro da minha sala de aula desde sempre. Quem é meu aluno está aqui de prova para falar”, afirmou, acusando o vereador de disseminar esse tipo de discurso nas escolas. “Não podemos permitir censura. Os documentos oficiais da educação estão aí para isso. Estou respaldada pela lei e além da lei, por vocês”, afirmou a professora aos manifestantes.

Facebook/ Camila Valadão

Rafaella fez um Boletim de Ocorrência (B.O) e afirmou que entrará com ação no Ministério Público Estadual (MPES) para resguardar sua integridade física e sua imagem. Também apontou que atitudes como a de Gilvan só se dão por conta da certeza da impunidade.

A professora lamentou que a identidade de uma das alunas tenha sido exposta na internet  e defendeu os estudantes. “Ao contrário do que disse o vereador, eles não são influenciáveis, eles são seres críticos, têm pensamento crítico”, considerou a educadora, que confessou ter se surpreendida com o tamanho da rede de apoio construída de um dia para o outro. “Isso é importantíssimo. Quando essas coisas acontecem, a gente tem que apoiar, porque senão, nós professores, estaremos mudando nosso planejamento para evitar esse tipo de situação. E educação não se faz abaixando a cabeça. Educação crítica não se faz a partir do medo”.

Rafaela Miranda, que estuda na EEEM Renato Pacheco e foi aluna da professora no ano passado, foi uma das que ajudou a construir o ato, planejado inicialmente a partir de estudantes. “A gente começou a pensar o que podia fazer juntando os alunos, dentro da escola mesmo, algo que contribuísse para ajudar a professora nesse momento difícil”, contou. O grupo que iniciou na internet com cinco pessoas foi crescendo e logo se incorporou com grupos de outras séries que também haviam sido criados em paralelo. Depois somou-se o apoio de dezenas de entidades sociais.

Pelo caráter dos ataques, o ato aglutinou estudantes, professores, movimento LGBTQIA+ e também outras pessoas e grupos que quiseram não só apoiar a professora mas também repudiar a ação que interfere diretamente na liberdade de ensino. “Mexeu com uma, mexeu com todas” foi outro dos gritos presentes no ato.

Facebook/ Iriny Lopes

Além do fato de Gilvan ser vereador e não ter prerrogativa de fiscalização de escolas estaduais, as entidades que divulgaram nota em apoio a Rafaella Machado questionaram as ameaças e defenderam as leis que garantem a liberdade de ensino da professora e a abordagem dos temas trazidos por ela em sala de aula.

A ação do vereador ainda foi criticada pelo secretário de Educação do Espírito Santo, Vitor de Angelo, que afirmou que o Ministério Público foi acionado para apurar as ameaças contra a servidora da educação. Deputados estaduais como Sergio Majeski (PSB) e Iriny Lopes (PT) também repudiaram a atitude do legislador, assim como as vereadoras de Vitória Camila Valadão (Psol) e Karla Coser (PT), também alvos constantes de Gilvan no plenário da Câmara.

Durante o ato de solidariedade, moradores do prédio em frente ao colégio atiraram ovos nos manifestantes. A Polícia Militar, que estava presente com cinco viaturas, foi questionada mas não tomou nenhuma atitude. Havia policiais com armamento pesado em punho, o que foi considerado abusivo pelo advogado André Moreira, que estava presente no ato.

“Farei um requerimento ao governador Renato Casagrande com base na Lei de Acesso à Informação para saber quem deu a ordem para um destacamento de policiais armados acompanhar um movimento de estudantes, com crianças e adolescentes. E quem era o policial e que arma estava utilizando”, comentou o advogado, que viu a ação como intimidadora.

Elisângela Melo

Apesar disso, não houve maiores incidentes e a manifestação se dispersou após uma caminhada de volta para praça onde ocorreu a concentração. “Houve um sentimento profundamente caloroso. Como educador fiquei emocionado de felicidade por ver a nova geração continuando essa luta. Vi ex-alunos meus presentes, vibrei por ver uma colega ser defendida por um bloco de compreensão. Fiquei contente, foi muito forte”, disse o professor Gessé Paixão, que compareceu para apoiar a companheira de profissão.

Sobre uma das mesas de xadrez da praça, Rafaella concluiu seu discurso aos presentes com a seguinte frase: “Lutem como uma professora!”.


Setenta entidades repudiam mais um ataque de Gilvan a professores

Um ato de solidariedade acontecerá em escola onde vereador de Vitória ameaçou docente que abordou questão LGBTQIA+ em aula


https://www.seculodiario.com.br/educacao/entidades-repudiam-mais-um-ataque-de-gilvan-a-professores

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