Depois de seis meses parada na comarca de Vila Velha, a ação judicial movida contra dois consumidores que relatam ter encontrado uma barata em uma garrafa da cerveja Stella Artois vai mudar de local. No último dia 6, o juiz da 4ª Vara Cível do município canela-verde, Carlos Alexandre Gutmann, acolheu o pedido da defesa dos consumidores pela transferência do processo para a comarca de Vitória. Até o momento, a Justiça se pronunciou apenas pela proibição da divulgação de imagens da garrafa com o suposto inseto em seu interior.
Segundo a decisão prolatada nos autos do processo 0040301-31.2013.8.08.0035, o magistrado considerou o entendimento de que a ação deve tramitar na comarca onde os consumidores residem, conforme prevê o Código de Defesa do Consumidor. A Companhia de Bebidas das Américas (AmBev), que é responsável pela fabricação da cerveja de origem belga no Brasil, e moveu a ação cautelar (0039152-97.2013.8.08.0035) contra o casal, também concordou com a transferência da ação.
O caso foi ajuizado pela empresa no dia 20 de setembro do ano passado. No mesmo dia, o juiz Délio José Rocha Sobrinho determinou a realização de uma perícia na garrafa da Stella Artois, além da proibição da divulgação pelos consumidores ou terceiro de imagens da garrafa. Na ocasião, ele alegou que “uma ampla divulgação do fato ora noticiado poderá trazer grande prejuízo à autora, tanto na esfera financeira como na imagem da cerveja”. O juiz fixou ainda multa de R$ 20 mil ao casal por ato de divulgação.
A Ambev tentou, em mais de uma ocasião, a decretação de segredo de Justiça no processo. No entanto, o pedido foi negado por falta de previsão legal do sigilo para esse tipo de caso. A empresa, que é responsável pela fabricação de várias marcas de bebidas, responde a processos semelhantes em outras partes do País. Na época em que o caso veio à tona, casos de insetos e outros tipos de dejetos encontrados em garrafas de bebida ganharam repercussão junto às redes sociais.
Em relação à perícia na garrafa, o juízo de Vila Velha havia definido os quesitos técnicos, ou seja, os pontos que devem ser esclarecidos pelo perito nomeado. O trabalho deve esclarecer se existe algum indício de violação do lacre da garrafa e, no caso de ter ocorrido, quais seriam os indícios para comprovar essa tese, além da descrição da eventual técnica utilizada e em qual momento poderia ter ocorrido a suposta adulteração do produto.
De acordo com os consumidores, a garrafa veio em um dos três packs (cada embalagem com seis garrafas) comprados no supermercado Sam’s Club, localizado em Bento Ferreira, Vitória, no início de 2013. As bebidas se destinavam a uma recepção familiar, quando foi descoberta a existência de uma barata com aproximadamente dois centímetros de tamanho, imersa no fundo do recipiente, antes de ser aberto.
O advogado do casal disse que os consumidores possuem nota fiscal do produto e que os orientou a realizar uma perícia técnica na garrafa, antes da visita dos representantes da AmBev a Vitória, que ocorreu somente dois meses após o seu primeiro contato com a empresa. Esse primeiro laudo pericial teria sido assinado, segundo ele, por duas peritas oficiais, que constataram a inviolabilidade do lacre da garrafa e a presença da barata no interior do recipiente.
Nova jurisprudência pode influenciar decisão
Na época de ajuizamento do caso, os tribunais superiores tinham entendimento de que a indenização só era cabível em casos onde havia sido comprovada a ingestão do corpo estranho presente nas garrafas. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) adotou uma nova linha de decisão, que garante a simples exposição do consumidor ao risco é passível de indenização. O entendimento anterior esbarrava justamente na alegação das empresas de que os clientes poderiam simular ou adulterar o conteúdo das garrafas.
No julgamento do Recurso Especial nº 1.424.304, a ministra Nancy Andrighi concluiu que a “aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior corpo estranho, expondo o consumidor a risco concreto de lesão à sua saúde e segurança, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, dá direito à compensação por dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada”. Ela avaliou que a presença do corpo estranho – no caso em uma garrafa de Coca-Cola – se caracterizou como defeito do produto.
Esse mesmo entendimento poderá ser levantado no julgamento do caso capixaba, já que a perícia da garrafa pode indicar qual o objeto presente em meio ao conteúdo líquido da cerveja e se houve ou não a adulteração do conteúdo.