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‘O rio era nossa mãe’

Na semana em que dois anciãos pescadores morrem, a anciã D. Helena fortalece a luta com seu depoimento de vida no território

Reprodução

“Eu tenho um sentimento muito grande porque eu criei meus filhos naquele rio. Lá era nossa mãe. Quando não tinha nada dentro da minha casa, eu ia lá no mangue e buscava comida pra comer e dar pros meus filhos”. 

Um depoimento de vida dentro do território ancestral dos Tupinikim foi feito nesta semana pela anciã Dona Helena Coutinho, 73 anos, na ocupação dos trilhos da Vale que atravessam a Terra Indígena Comboios, em Aracruz, norte do Estado. 

A manifestação foi iniciada no dia primeiro de setembro para reivindicar diálogo direto com as empresas responsáveis pelo crime contra o Rio Doce, em novembro de 2015, para renegociação do acordo feito com a Fundação Renova há um ano, já que as condições impostas às comunidades não atendem às suas necessidades como atingidos.

“Mas hoje eu não tenho coragem de deixar meus filhos tomarem banho, meus netos tomarem banho, não podemos pegar mais nada lá”, prossegue a anciã, lamentando a depreciação da qualidade das águas que abastecem as comunidades Tupinikim, situação semelhante vivida pelos Guarani, do outro lado da rodovia. 

Águas há muito contaminadas com dejetos industriais, domésticos, agropecuários … que alcançaram proporções inimagináveis há sete anos, com o rompimento da barragem da Samarco/Vale-BHP em Mariana/MG, que lançou 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração sobre o Rio Doce. 

Não foi acidente, foi crime, afirmam juristas, movimentos sociais, ativistas, pesquisadores, técnicos de diversas áreas. “E agora, se não resolver esse problema, como é que faz?”, pergunta Dona Helena, aos presentes debaixo da tenda que abriga os Tupinkim e Guarani, de diversas aldeias, que se revezam na ocupação, que já alcança seu 25º dia. 

“Quero dizer para as autoridades que não precisam ter medo, nós estamos tudo na paz. Mas nós não estamos aqui brincando, porque as coisas não estão certas para nós”, afirma, microfone na mão, olhos firmes para a plateia.

O vídeo circula nas redes sociais. Não mostra a que autoridades ela se direciona, mas a mensagem não precisa mesmo ter destinatário específico. A qualquer um que se sinta autoridade, seja política, econômica, jurídica, acadêmica, religiosa … A fala é direta para quem quiser ouvir. 

“Eu nasci aqui na terra, cresci, casei e tenho meus netos e tenho neto e já tenho tataraneto. E estou com 73 anos, mas eu espero em Deus que eu vou continuar aqui. Vou continuar porque nós não estamos na terra de ninguém. Nós estamos na terra que nós temos direito”, inflama os ouvintes. 

Luto 

A palestra da anciã Tupinkim acontece na semana em que a aldeia Comboios perdeu dois de seus anciãos, S. Edson Barbosa, aos 105 anos, e S. Sebastião Severo Elisiário, aos 75 anos. Dois amigos, ambos pescadores. O primeiro a partir foi S. Edson. O amigo Sebastião foi ao seu velório e, horas, depois, também faleceu. 

Apoios

Nesta semana também os indígenas receberam apoio de militantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), acompanhados de um representante da Ouvidoria da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Espírito Santo (OAB-ES), e reuniram-se com a Câmara Técnica de Povos e Comunidades Tradicionais do Comitê Interferativo (CIF). 

Por telefone, receberam a solidariedade do Padre Kelder Brandão, coordenador do Vicariato para Ação Social, Política e Ecumênica da Arquidiocese de Vitória e pároco da Paróquia Santa Teresa de Calcutá, em Vitória.

Da parte da Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDH), foram demandados para mais uma reunião de negociação com a Vale, da qual deve, participar também com a Fundação Renova e o juiz Fábio Massariol, que já expediu duas liminares de reintegração de posse em favor da Vale. Sentenças que chegaram a estipular multa de cinco mil reais por pessoa por minuto de descumprimento. 

À Defensoria Pública, os indígenas pediram uma audiência com o juízo da 12ª Vara Federal, em Belo Horizonte. E à Fundação Nacional do Índio (Funai), uma manifestação de apoio à ocupação.

Luta 

A manifestação pacífica segue. A pauta está posta, as condições de desocupação também. Eles trabalham, aguardam e confiam na vitória. 

“Enquanto não resolver, nós estamos aqui. Não vamos arredar o pé não. Estou velha mas eu estou aqui. Nós temos netos, temos filhos, nós não vamos sair daqui”, reafirma Dona Helena.

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