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Quatro dos dez deputados federais capixabas votaram contra o Marco Temporal

Comitiva indígena do Estado irá a Brasília acompanhar julgamento da tese no STF e votação do PL no Senado

Agência Câmara

Apenas quatro dos dez deputados federais capixabas são contrários ao genocídio indígena e votaram contra o Projeto de Lei 490/23, que quer transformar em lei a tese do Marco Temporal, durante sessão na Câmara realizada na noite dessa terça-feira (30), sob presidência de Arthur Lira (PP-AL). O placar geral ficou em 283 votos a favor e outros 155 contra.

Da bancada do Estado, votaram não: Gilson Daniel (Podemos); Helder Salomão (PT); Jack Rocha (PT); e Paulo Foleto (PSB). O sim foi dado por Amaro Neto (Republicanos); Da Vitória (PP); Evair de Melo (PP); Gilvan da Federal (PL); e Messias Donato (Republicanos). Dr. Victor Linhalis (Podemos), que havia se posicionado contra a urgência do projeto, se ausentou da votação.

O PL 490 foi aprovado na forma de um substitutivo do relator, deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA). Segundo o texto, para serem consideradas terras ocupadas tradicionalmente, deverá ser comprovado objetivamente que elas, na data de promulgação da Constituição, eram ao mesmo tempo habitadas em caráter permanente, usadas para atividades produtivas e necessárias à preservação dos recursos ambientais e à reprodução física e cultural. Dessa forma, se a comunidade indígena não ocupava determinado território antes desse Marco Temporal, independentemente da causa, a terra não poderá ser reconhecida como tradicionalmente ocupada.

No caso do Espírito Santo, beneficia usurpadores históricos do território indígena Tupinikim e Guarani de Aracruz, na região norte, como a Suzano (ex-Fibria e ex-Aracruz Celulose). Durante muito tempo, a papeleira tentou sustentar a argumentação de que teria chegado em Santa Cruz antes e chegou a financiar, no início dos anos 2000, uma violenta campanha de difamação dos indígenas, por meio de outdoors espalhados na cidade que diziam “A Aracruz trouxe o progresso, a Funai, os índios”.

O projeto segue agora para o Senado, onde pode ser votado a qualquer momento. A tese do Marco Temporal, por sua vez, tem a próxima quarta-feira (7) como data para ter seu julgamento retomado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O STF já adiou por sete vezes esse julgamento. A última ocorreu em junho de 2022. Caso os ministros do Supremo a declarem inconstitucional, mesmo que o Congresso aprove o projeto, ele não terá validade.

A inconstitucionalidade do Marco Temporal também foi ressaltada por diversos deputados durante a votação dessa terça-feira, que anunciaram o acionamento do Supremo por seus partidos, caso o PL seja aprovado no Senado.

“Os partidos que votaram contra o PL vão entrar com ação no Supremo”, afirma Paulo Tupinikim, liderança em Caieiras Velha e coordenador-geral da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), citando o PDT, PV, PT e PCdoB. Após assistir toda a votação, transmitida ao vivo pela própria Câmara e pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), ele ressalta o impacto que os discursos dos parlamentares de direita produziram mesmo em quem já acompanha o embate político sobre o tema, mas principalmente em quem se aproximou apenas agora.

“A comunidade aqui ficou impactada em ouvir as falas, dizendo muitas mentiras. Entenderam como é séria essa luta e muitos decidiram se juntar nessa mobilização”, relata.

Uma comitiva capixaba se organiza para ir a Brasília nos próximos dias para somar forças aos povos indígenas de todo o país que estarão no STF para a retomada do julgamento.

“Se o Senado fizer como a Câmara e aprovar urgência para votar o PL 490, nós também iremos lá. Agora é preciso centrar forças no Supremo e no Senado”, afirma, ressaltando que, felizmente, em ambos, há uma predisposição maior para dizer não ao Marco Temporal, com base em amplo regramento legal nacional e internacional. “Existem diversos dispositivos jurídicos, a própria Constituição, que não permite a remoção de indígenas de suas terras. Isso está na declaração da ONU [Organização das Nações Unidas] sobre povos indígena e tribais, na Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho], na própria Constituição Federal”.

Redes Sociais

Projeto de genocídio

Um dos pontos que Paulo Tupinikim chama atenção pelo absurdo também foi ressaltado pela deputada Duda Salabert (PDT-MG) ao proferir seu voto, contrário ao PL, que é a impossibilidade de mudança cultural das comunidades indígenas que já tiverem suas terras homologadas.

“‘Em terra já demarcada, se houver alguma mudança cultural, essa terra vai ser retirada dos povos indígenas’. Olha que absurdo! Todos nós sabemos que toda e qualquer cultura é móvel, não é estanque e parada. O projeto diz que os indígenas, para ter direito à terra, não podem ter mudança cultural. Então não pode ter cultura! Porque cultura, por si, só não é estanque!”, argumentou a parlamentar.

“O projeto também diz que perdem seu direito à terra se ocorrerem fatores ocasionados no decurso do tempo, mas não diz o que é o ‘decurso do tempo’. Então o planeta também não pode mudar. Se o planeta mudar, retiramos as terras dos povos indígenas”, prosseguiu.

“O que a redação desse PL diz é que indígena não tem direito à terra. Esse é o PL 490. Quer que os povos indígenas sejam seres etéreos, abstratos, folclóricos. Para indígena, somente nome de rua, nome de bairro. Não quer os indígenas em sua realidade e concretude, que é uma relação simbiótica com o território. Por trás do absurdo desse PL, há o projeto de genocídio indígena”, arrematou.

A deputada mineira apresentou nove emendas ao presidente ao projeto, mas apenas uma foi aceita, o que retirou do texto, o dispositivo que listava quatro situações nas quais o usufruto dos indígenas sobre a terra não se aplicariam, como aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos e os resultados de mineração ou garimpagem.

Clima

Logo após a aprovação, o Observatório do Clima – iniciativa que reúne dezenas de entidades da sociedade civil que atuam na defesa do meio ambiente e publica, desde 2013, o SEEG, a estimativa anual das emissões de gases de efeito estufa do Brasil – emitiu uma nota repudiando o resultado da votação.

Com o título “Câmara aprova o genocídio indígena”, o OC afirmou que o dia 30 de maio foi o “dia mais vergonhoso da história do Parlamento desde o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016”, pois o PL 490 “acaba com as demarcações de terras indígenas e libera o esbulho desses territórios – e o genocídio de seus habitantes”.

A sessão, afirma, “foi um espetáculo de mentiras, ódio e racismo, no qual a Casa dominada por ruralistas e pela extrema-direita, promoveu o pior retrocesso em matéria de direitos humanos no país desde a promulgação da Constituição, em 1988”, citando algumas evocações comuns durante a sessão, como “‘muita terra para pouco índio’ e a necessidade de ‘pacificação’ do campo — aliás, o mesmo argumento falso usado pela bancada ruralista para destroçar o Código Florestal, em 2012”.

Caso seja aprovado pelo Senado, o PL 490 terá o efeito oposto: o de aumentar os conflitos no campo. Nos últimos quatro anos, quando o aliado de Lira Jair Bolsonaro governou o país, o número de invasões a territórios indígenas cresceu 200% e o de assassinatos de indígenas aumentou 30%, segundo dados do Cimi. O garimpo ilegal aumentou 125%, segundo o consórcio MapBiomas. O sinal mais dramático do sucesso desse projeto de extermínio dos povos originários foi o genocídio Yanomami, interrompido após a derrota de Bolsonaro (PL) nas urnas.

Ponto a ponto

Conforme detalhado pela Câmara dos Deputados, o PL 490 aprovado prevê, além da demarcação apenas das terras ocupadas por indígenas no dia da promulgação da Constituição Federal e a retirada daqueles que demonstrarem mudanças culturais, alguns outros pontos preocupantes: permissão para plantar cultivares transgênicos em terras exploradas pelos povos indígenas; proibição de ampliar terras indígenas já demarcadas; adequação dos processos administrativos de demarcação ainda não concluídos às novas regras; e nulidade da demarcação que não atenda a essas regras.

Pablo Valadares/Agência Câmara

Sem autorização

O substitutivo de Maia estabelece que o usufruto das terras pelos povos indígenas não se sobrepõe ao interesse da política de defesa e soberania nacional, permitindo a instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à Fundação Nacional do Índio (Funai).
Essa dispensa de ouvir a comunidade se aplicará também à expansão de rodovias, à exploração de energia elétrica e ao resguardo das riquezas de cunho estratégico.

As operações das Forças Armadas e da Polícia Federal em área indígena não dependerão igualmente de consulta às comunidades ou à Funai.

Já o poder público poderá instalar em terras indígenas equipamentos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além das construções necessárias à prestação de serviços públicos, especialmente os de saúde e educação.

Atividades econômicas

A partir do projeto, fica permitido aos povos indígenas o exercício de atividades econômicas por eles próprios ou por terceiros não indígenas contratados.

Esses povos poderão assinar contratos de cooperação com não indígenas para a realização dessas atividades, inclusive agrossilvipastoris, desde que gerem benefícios para toda a comunidade, seja por ela decidido e que a posse da terra continue com os indígenas. O contrato deverá ser registrado na Funai.

De igual forma, será permitido o turismo em terras indígenas, também admitido o contrato com terceiros para investimentos, respeitadas as condições da atividade econômica.

Essas atividades, assim como a exploração de energia elétrica e de minerais autorizadas pelo Congresso Nacional, contarão com isenção tributária.

‘Participação ampla’

Outra mudança nos processos para a demarcação de terras indígenas é que eles deverão contar, obrigatoriamente, com a participação dos estados e municípios onde se localiza a área pretendida e de todas as comunidades diretamente interessadas, como produtores agropecuários e suas associações.

Segundo o texto, essa participação deverá ocorrer em todas as fases, assegurando-se o contraditório e a ampla defesa e permitida a indicação de peritos auxiliares.

Nesse sentido, o substitutivo de Arthur Maia determina que caberá a apresentação de suspeição de antropólogos, peritos e outros profissionais especializados. Essa suspeição está prevista para juízes, membros do Ministério Público e auxiliares da Justiça quando a causa envolve pessoas com as quais trabalharam ou têm relação direta, por exemplo.

Quanto aos procedimentos, eles deverão estas disponíveis para consulta em meio eletrônico e qualquer cidadão poderá ter acesso a todas as informações, estudos, laudos e conclusões. Informações orais coletadas de indígenas somente serão consideradas válidas se realizadas em audiências públicas ou registradas em áudio e vídeo.

Qualquer benfeitoria

O substitutivo considera de boa-fé e sujeita à indenização qualquer benfeitoria realizada pelo ocupante de terra indígena até a conclusão do procedimento de demarcação, mesmo que já exista decisão sobre a ocupação ilegal.

Além disso, o ocupante poderá ficar na terra até a conclusão do procedimento demarcatório e o pagamento da indenização, sem qualquer limitação de uso e gozo.

Já a indenização das benfeitorias deve ocorrer após a comprovação e avaliação realizada em vistoria do órgão federal competente.

Quanto ao conflito de titulação de propriedade em área indígena, o projeto prevê a indenização por erro do Estado, inclusive em relação àquelas áreas cuja concessão possa ser documentalmente comprovada.

Áreas reservadas

O texto diferencia as terras ocupadas tradicionalmente, segundo o Marco Temporal de 5/10/1988, das áreas indígenas reservadas, consideradas aquelas destinadas pela União à posse e ocupação por comunidades indígenas de forma a garantir sua subsistência digna e preservação de sua cultura.

Entre esses tipos de áreas estão as terras devolutas da União discriminadas para essa finalidade; áreas públicas pertencentes à União; e áreas particulares desapropriadas por interesse social.

Entretanto, se houver mudança dos traços culturais da comunidade, ou em razão de outros fatores ocasionados pelo decurso do tempo, a União poderá considerar que a área reservada não é mais essencial para o cumprimento dessa finalidade e retomá-la.

Nesse caso, deverá dar outra destinação de interesse público ou social ou direcioná-la ao Programa Nacional de Reforma Agrária em lotes preferenciais a indígenas com ‘aptidão agrícola”.

Áreas compradas

As áreas indígenas compradas pela comunidade ou doadas a ela serão consideradas áreas indígenas adquiridas, às quais se aplicará o regime jurídico da propriedade privada.

Unidades de conservação

Quando houver terras indígenas superpostas a unidades de conservação, o usufruto pela comunidade será de responsabilidade do ICMBio – o órgão federal gestor das unidades de conservação -, com a participação dos indígenas.

Povos isolados

No caso de indígenas isolados, o projeto permite o contato, intermediado pela Funai, para ações estatais como auxílio médico ou ação estatal de utilidade pública, como construção de equipamentos de serviços públicos (torres de transmissão de energia, por exemplo).

Entidades particulares, nacionais ou internacionais, não poderão manter contato com povos isolados, exceto se contratadas pelo governo para essas finalidades.

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