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Quilombolas do Sapê do Norte: ‘Se Palmares não vive, faremos Palmares de novo’

Pauta é acolhida em parte pelo prefeito Mateusinho. Já Estado “pega carona” na fuga da Suzano e cancela reunião

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“Se Palmares não vive, faremos Palmares de novo”. A frase do poeta negro José Carlos Limeira abre o documento da Comissão Quilombola do Sapê do Norte com uma pauta ampla de reivindicações nas áreas de saúde, educação, agricultura, meio ambiente e assistência social para as mais de 30 comunidades que vivem no território tradicional localizado entre São Mateus e Conceição da Barra, no norte do Estado.

As negociações para atendê-las têm sido feitas em âmbito federal, estadual e municipal, como determina a cooperação entre as instâncias de poder estabelecida na Constituição Federal de 1988. Nessa quarta-feira (17), ela foi apresentada ao prefeito de Conceição da Barra, Mateuzinho do Povão (PTB).

Após mais de duas horas de espera após o horário agendado previamente, o prefeito chegou ao gabinete para a conversa, que durou pouco mais de três horas. Ao final, um saldo positivo, segundo Terezino Trindade Alves, presidente da Associação de Agricultores e Agricultoras da Comunidade Quilombola Angelim 1 (Aacqua), uma das lideranças presentes.

“Ele falou que se propõe a cumprir algumas demandas e marcou uma nova reunião dia 5 de junho com os secretários responsáveis pelas pautas. Ele se comprometeu com questões do CDA [Compra Direta de Alimentos, programa estadual de aquisição de alimentos de agricultores familiares para doação a famílias em insegurança alimentar], máquinas de preparo de solo e assistência técnica. Também disse que tem o recurso para reformar a escola de São Domingos”, relata.

Em sua totalidade, o documento apresenta seis temas e seus respectivos tópicos, considerados “demandas urgentes” pela Comissão Quilombola. Em saúde, os pedidos são por agentes comunitários, um ponto de apoio nas comunidades para atendimento médico, ginástica para os jovens e idosos, e “logística de atendimento médico domiciliar em algumas unidades de saúde.

Em Obras, a demanda é por manutenção das estradas das comunidades quilombolas. Pedido semelhante feito também à Secretaria de Agricultura, que tem os pedidos de: hora-máquina (trator, escavadeira hidráulic) nas comunidades, “inclusive nas áreas de retomada”, frisa a Comissão, referindo-se aos novos núcleos comunitários instalados em áreas em que a Suzano Papel e Celulose (ex-Fibria e ex-Aracruz Celulose) procura manter a posse, por meio de seus monocultivos de eucaliptos, mas que já estão devidamente reconhecidas como território tradicional quilombola.

A Agricultura também recebeu as demandas por construção de uma farinheira com seis fornos para beiju em Itaúnas, para os produtores produzirem e comercializarem durante o festival de forró e carnaval; apoio aos agentes reguladores para atestar o selo de Identidade Geográfica (IG) do Beiju do Sapê do Norte; e por uma equipe capacitada para auxiliar os agricultores a montarem projetos e fazer prestação de contas dos projetos sociais como o PAA, PNAE [programas federais de Aquisição de Alimentos e Alimentação Escolar, respectivamente] e CDA, incluindo componentes das comunidades na equipe.

As pautas ambientais tratam da reativação do viveiro para produção de mudas; e da fiscalização do avanço do plantio de eucaliptos no município, de acordo com lei municipal. 

Na Educação, elenca a necessidade de construção de novo prédio para Escola São Domingos; a manutenção das estradas municipais das comunidades, principalmente as que passam transporte escolar; a ampliação da oferta de transporte escolar, inclusive para os alunos da modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA) que estudam na EMEF Linhares; e a atenção à modalidade de Educação infantil.

Finalmente, na pasta de Esportes, é demandada a construção de uma área de lazer nas comunidades e de ações de incentivo para jovens e crianças quilombolas. 

Nova escola

A Escola de São Domingos é uma das pautas mais sensíveis das comunidades e que vem sendo apresentada também ao governo do Estado. Depois de anos aguardando a finalização da reforma da escola, as comunidades apontam que a necessidade agora é de um novo prédio, que acompanhe o crescimento das demandas das famílias, conforme relata Luzia Serafim Blandino, liderança em São Domingos.

“Não tem espaço para as crianças brincarem, para fazer uma festa para as crianças e as famílias. Estamos vendo outro espaço aqui perto para fazer uma escola maior. Porque nós queremos uma escola que os meninos terminem pelo menos o 9º ano aqui. Porque é menino estudando em Conceição da Barra, em Braço do Rio, em Sayonara! Essas crianças podem estudar dentro da comunidade! Fazendo uma escola maior, pelo Estado, tem espaço para outros, também. Fazer uma quadra, uma área de lazer”, explica. Obras, ressalta, desejadas para as crianças e “nós s adultos também, as crianças velhas”, brinca, trazendo o bom-humor tipicamente quilombola para uma conversa que, sublinha, é de extrema urgência.

A pauta já havia sido apresentada no dia 12 de abril, quando o governador Renato Casagrande (PSB) finalmente recebeu as mulheres quilombolas, conforme prometido nas atividades do Oito de Março. Nela, conta Luzia, o governador sugeriu o diálogo conjunto com a prefeitura. “Essa escola era estadual e foi municipalizada sem falar com a gente, quando a gente soube, já tinha acontecido”, conta.

A mesma pauta, prossegue, já tinha sido apresentada dias antes na Mesa de Resolução de Conflitos, coordenada pela Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDH): educação, saúde, abastecimento de água, energia elétrica, segurança, meio ambiente e agricultura.

Na ocasião, estiveram presente as entidades de justiça que oficialmente compõem a Mesa, como a Defensoria Pública, e também órgãos ligados às demandas, com Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan) e EDP Escelsa, além da Suzano, já que um tema central da Mesa é o conflito fundiário dentro do território quilombola, em que a multinacional mantém a posse de vastas áreas certificadas pela Fundação Palmares para as comunidades, que aguardam a finalização do processo de titulação no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Manobras de postergação

A ocupação abusiva da papeleira também foi judicializada pelo Ministério Público Federal (MPF) em uma ação civil pública que denuncia a grilagem de terras promovida pela então Fibria. A primeira decisão, em outubro de 2021, foi favorável às comunidades, quando o juiz Nivaldo Luiz Dias acatou os pedidos feitos na ação e determinou ao governo do Estado anular as matrículas listadas pelo MPF por comprada fraude, entre outras determinações ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que financiou atividades da empresa nas terras griladas. Os embargos impetrados pela multinacional foram negados pelo magistrado e o caso remetido para a segunda instância.

Enquanto aguarda uma decisão final da Justiça Federal e os órgãos estaduais não tomam uma posição firme em relação ao pleito das comunidades para que os monocultivos parem de avançar sobre o território tradicional, a empresa engendra outras manobras mais sutis de postergação. O encaminhamento da reunião da Mesa é um exemplo.

“A ata da reunião foi assinada por todo mundo, inclusive pela Suzano, e diz que a próxima reunião seria aqui na comunidade, no dia 15 de maio, para todo mundo ver a situação, como os eucaliptos estão entrando dentro das comunidades, que precisa de uma medida urgente do Estado. Mas a empresa falou na quinta-feira (11) que não podia ser na comunidade, pediu para ser em Vitória de novo. E ficou por isso mesmo. O Renato [secretário da Mesa de Resolução de Conflitos] falou isso, a gente disse que não aceitava mudar o local, então ele disse que ia cancelar a reunião, que não iria ninguém do governo mais”, conta Luzia, com indignação.

“Quando a gente vai para Vitória, são sempre as mesmas pessoas, poucas pessoas que podem ir. Aqui na comunidade pode mais gente participar e todo mundo vai ver a realidade. Aí eles falaram para ser no dia 18 no salão da Polícia Militar de São Mateus. A gente também não aceita”, afirma a líder quilombola. “Quando o governo, os órgãos vierem em uma comunidade, vão poder ter um retrato do que acontece em todas. E é isso que a empresa não quer”, aponta.

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