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‘Retorno econômico do eucalipto hoje decorre de 50 anos de investimento público’

ONG anuncia apoio à restauração ambiental no norte do Estado para incentivar “soluções baseadas na natureza”

Fase/ES

É preciso começar a equilibrar as forças econômicas e políticas para que a floresta possa se expandir, minimamente, na medida necessária para atender as populações humanas com água limpa, solos férteis, clima regulado e biodiversidade. 

A afirmação, ainda que excessivamente antropocêntrica, já é bastante radical quando se pensa em formas de implementar esse equilíbrio de forças, por exemplo, no norte do Espírito Santo, onde os atores econômicos mais influentes sobre as políticas públicas estaduais e municipais insistem em manter o controle da terra por meio de monocultivos de baixa empregabilidade e elevado impacto socioambiental, com destaque para a eucaliptocultura, uso do solo que mais cresce não só acima do Rio Doce, mas no território capixaba como um todo. 

Mudar o fluxo do dinheiro e outros aparatos públicos em direção a uma “economia de base florestal” e a “soluções baseadas na natureza” é um sonho distante hoje, se imaginado em larga escala, mas pequenas ações coordenadas podem começar a apontar caminhos para a multiplicação de iniciativas nesse sentido.

Um ponto inicial importante é reconhecer a insustentabilidade econômica da eucaliptocultura, atividade que é mantida, até hoje, com fartos incentivos fiscais. Somente o governo do Espírito Santo beneficiou a Suzano (ex-Fibria e ex-Aracruz Celulose) com R$ 600 milhões, conforme anúncio feito em junho passado, valor equivalente a mais do que o quádruplo do montante investido em transferência de renda em 2021, quando o orçamento para essa ação alcançou recorde, sendo oito vezes maior do que o de 2018. Com o dinheiro, a empresa afirmou que irá construir uma fábrica de papel tissue com geração de 200 empregos fixos, ou seja, ao custo de R$ 3 milhões cada vaga aberta. 

“O retorno que o eucalipto tem hoje só foi possível porque lá atrás teve apoio significativo do governo federal no setor, além de uma série de pesquisas que foram feitas para baixar o risco dessa atividade. Foram 50 anos de investimento”, avalia Miguel Moraes, diretor sênior de Programas da Conservação Internacional Brasil (CI Brasil), ONG internacional com escritório no Brasil e que anunciou a intenção de apoiar o Programa Reflorestar capixaba, investindo em restauração florestal no norte do Espírito Santo. 

As tratativas da futura parceria foram iniciadas na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 27), que acontece no Egito desde o dia 6 de novembro, em reunião do governador Renato Casagrande (PSB) com representantes da entidade. 

A princípio, as partes falam em mil hectares, mas com possibilidade de crescimento. Considerando os 10 mil hectares de reflorestamentos feitos pelo programa na primeira década de implantação, os mil hectares representam uma cota relevante, principalmente quando se tem em vista que trata-se do maior programa de reflorestamento já empreendido por um ente público no país. 

“Dez mil hectares é um número significativo. Poucas organizações chegaram nesse número. O BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] não chegou a esse número na Mata Atlântica. No Brasil, programa governamental de restauração em larga escala é o Reflorestar”, contextualiza Miguel Moraes. 

Mas o número se mostra tímido quando comparado com o avanço dos monocultivos de eucalipto – desertos verdes – no Estado. Somente entre 2007 e 2015, segundo o Atlas da Mata Atlântica do Espírito Santo, lançado em 2018, foram 45 mil hectares a mais de plantios no Estado. Essa dinâmica, desfavorável à floresta, se mantém há décadas e continua vigente, ainda sustentada pela inércia dos governos em investir em atividades mais sustentáveis. 

“Uma coisa que a gente gostaria de ver é um programa de investimento que pudesse fazer, com a silvicultura de espécies nativas, o que foi feito com o eucalipto, porque estimularia essa economia de base florestal, com apoio a coletores de sementes e viveiristas e baixando o custo de insumos”, expõe o diretor da CI Brasil, citando a Rede de Sementes do Xingu, construída com apoio do Instituto Socioambiental (ISA), como um norte a ser buscado.

As agroflorestas são outra atividade bem-vinda no universo da economia de base florestal e das soluções baseadas na natureza, quando se planeja um uso mais inteligente do solo. “O Reflorestar foi muito estratégico em trabalhar com implantação de florestas produtivas. Na perspectiva de valorização de floresta em pé, você mostrar que é possível conciliar atividades econômicas com economia de base florestal é muito acertado”, elogia. 

E é nessas tecnologias que a ONG aposta ao anunciar o apoio ao Reflorestar, como forma de aplicar o conceito de “restauração de paisagens”. Nele, é considerado o “mosaico de diferentes usos da terra, com diferentes forças e interesses, políticos e de mercado” e “o que a gente tenta é conciliar esses atores para garantir conectividade da floresta”. 

Um pasto degradado, exemplifica, não consegue conectar fragmentos de florestas. Mas uma agrofloresta sim, pois permite o retorno dos pássaros e outros animais, que passam a dispersar mais sementes, ampliando a floresta. “A fauna começa a circular, começa a ter fluxo genético das espécies que estavam isoladas”. Uma excelente fórmula para “conciliar restauração, conservação e uso sustentável”. 

Floresta em pé

Diretora de Soluções para o Clima da CI Brasil, Sophia Picarelli ressalta que apoiar o Reflorestar capixaba é uma forma também de expandir o trabalho feito no sul da Bahia. “Já temos alguns projetos de restauração no sul da Bahia e estamos fazendo planejamento para ampliar essa restauração para o norte do Estado. A ideia é integrar esforços com o programa Reflorestar do governo do Estado, já muito consolidado, com muitos anos de experiência. Na COP, o governador indicou interesse em seguir nesse alinhamento. Estamos pensando em mil hectares, com possibilidade de ampliar”. 

“A CI Brasil está com metas ambiciosas para amplificar soluções baseadas na natureza. Queremos dar escala para ações de restauração, uso sustentável e conservação, como parte de um esforço para valorizar a floresta em pé. Faz parte de uma estratégia integrada. Não adianta restaurar e não proteger o que já está em pé”, reforçou Miguel Moraes. “O que está em jogo é a permanência da vegetação secundária, que está se recuperando na Mata Atlântica”, complementa. 

A permanência das matas secundárias no bioma é muito baixa, alerta. “A partir de 2006, com a Lei da Mata Atlântica [nº 11.428], as florestas das encostas e topos de morro se recuperaram num processo de regeneração natural, até por ter baixa aptidão para agricultura, mas nos últimos anos, houve um processo de volta de ameaça a essas florestas regenerantes”. 

Para o executivo, “é fundamental ter um trabalho que ajude a ter uma mudança de percepção do valor das florestas. E não pode fazer isso só em unidade de conservação e área pública, tem que ser nas áreas particulares também, onde estão a maior parte dos remanescentes. O que a gente vê nos últimos anos é um agravamento de um processo de degradação ambiental muito sério”, alerta. 

Protagonismo capixaba

A Comitiva capixaba encerrou sua participação na COP 27 nessa quarta-feira (16), com chegada no Espírito Santo prevista para esta sexta-feira (18). Durante os dias no Egito, o governador Renato Casagrande apresentou as linhas gerais do seu Plano de Descarbonização e participou de outras reuniões, debates e tratativas estaduais e interestaduais. Entre as ações em âmbito nacional, assumiu a função de coordenador da Coalizão Governadores pelo Clima (GPC), lançada na COP passada, na Escócia, e presidente do Consórcio Brasil Verde, lançado este ano, com objetivo, entre outros, de articular os estados para elaborarem e implementarem seus planos de descarbonização.

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