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Desertificação avança onde predominam monoculturas e concentração de terra

Timidez do Reflorestar mostra falta de compromisso do Estado com a agricultura familiar, avaliam camponeses

Leonardo Sá

O que os números oficiais mostram nos relatórios de governo se confirma de forma ainda mais crua no relato dos que vivem, no campo, o descompasso entre o discurso e a prática de governo no que diz respeito à crise climática. 

Dados do Programa Reflorestar, apresentados em solenidade virtual conduzida pelo governador Renato Casagrande (PSB) nessa segunda-feira (21), contabilizam o plantio de 10 mil hectares de árvores nativas ao longo de sete anos de execução do programa, de 2013 a 2020, resultado de um investimento de R$ 52 milhões.

Os números elevaram o programa ao status de referência mundial em políticas públicas de reflorestamento pelos convidados, especialmente os representantes das ONGs internacionais WWF, WRI e TNC, parcerias do Estado no Reflorestar e no projeto, em elaboração, do Programa Estadual de Carbono.

A comparação, no entanto, com os números do crescimento da monocultura de eucalipto, mostra a timidez com que o Espírito Santo atua no combate à crise climática mundial e à desertificação, que avança a passos largos principalmente no norte e noroeste do Estado.

Entre 2007 e 2015, segundo o Atlas da Mata Atlântica do Espírito Santo, os plantios de eucalipto ocuparam mais 45 mil hectares de terras, destacando-se como o uso do solo que mais cresceu no período.

A atualização do Atlas, prevista para 2021, vai constatar se a dianteira dos monocultivos de eucalipto se mantém. Por enquanto, o que se sabe vem dos comunicados, no Diário Oficial, de autorização de licença para plantio emitidos pelo Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf) à Suzano (ex-Fibria, ex-Aracruz Celulose) e a observação, in loco, da escalada do trio concentração de terra/monoculturas/desertificação, feita por lideranças de movimentos sociais do campo.

“O maior problema é que o programa do governo é muito tímido. Se olhar para expansão do eucalipto e da desertificação no Estado, e se olhar para urgência do problema climático no Estado e no mundo, falar que reflorestou essa quantidade tão pequena, é muito tímido. E não estão sendo contratados novos projetos”, avalia Valmir Noventa, da coordenação estadual do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA/ES).

“Nitidamente se percebe que na área ambiental não há ganho, o balanço não é positivo. Áreas de eucalipto não são reflorestamento, são processo de degradação e desertificação, que avançam sobre o território norte e noroeste”, relata o camponês.

É nessa região que se concentram também os maiores latifúndios existentes hoje no Estado, decorrentes de um processo histórico de apropriação de terras por grandes fazendeiros e empresas, em contraste com outras áreas do Estado, principalmente na região serrana, onde a pequena propriedade familiar predomina e a cobertura florestal nativa média dos municípios é maior que nas demais regiões.

Na plataforma LabDadosBrasil, é possível consultar dados abertos até março passado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que identificam, no Espírito Santo, 77 propriedades com mais de dois mil hectares cada, somando 365,87 hectares, presentes em 20 municípios. Cinquenta e oito delas estão nos municípios de Aracruz, Conceição da Barra, Ecoporanga, Linhares, Montanha e São Mateus.

De posse da Suzano e da Aracruz Celulose, estão 15 das 77 propriedades, que somam mais de um terço da área total: 134,88 mil ha. As duas empresas – que se fundiram em 2018, criando a maior gigante do setor, com 16% do mercado mundial – possuem fazendas principalmente em Conceição da Barra (56,81 mil ha) e Aracruz (49,51 mil ha).

Liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Espírito Santo, Adelso Rocha Lima salienta que apenas uma das fazendas da empresa em Conceição da Barra tem 52,3 mil ha, área maior que a soma de todos os assentamentos de reforma agrária existentes no Espírito Santo, que somam 49 mil hectares, onde vivem e produzem alimentos 4.424 famílias.

“Paulo Hartung e Casagrande tiveram suas campanhas financiadas pelas grandes empresas, principalmente do setor de mineração e de celulose, e os governos respondem com legislação, incentivos ficais, infraestrutura e outros benefícios”, aponta. “E Paulo Hartung é presidente do Ibá, Instituto Brasileiro de Árvores”, completa, referindo-se à entidade que se denomina como “a associação responsável pela representação institucional da cadeia produtiva de árvores plantadas, do campo à indústria, junto a seus principais públicos de interesse”.

Reforma agrária

Mesmo sendo uma política essencialmente federal, a reforma agrária pode ser incentivada pelos governos estaduais, afirmam Adelso. “Há exemplos no Rio Grande do Sul, Sergipe e Ceará, em que governos fizeram bastantes ações nessa perspectiva”, informa. 
A reforma agrária, reafirma Valmir Noventa, é uma polícia que “resfria o planeta” e precisa ser priorizada pelos governos de todas as instâncias, como a única medida que pode efetivamente não só garantir a sustentabilidade climática e ambiental, mas também a justiça social e econômica no campo e na cidade. É a base de um projeto de Estado realmente democrático, com distribuição de riqueza e equidade de direitos asseguradas.

“Em áreas de assentamento e de produção camponesa de alimentos, a qualidade de vida é muito melhor do que onde predominam os latifúndios e monoculturas. E isso reflete diretamente no urbano, pois evita o êxodo rural e o inchaço das cidades”, explica.

“A terra para o camponês é fundamental para sobrevivência, seja física, cultural, econômica. Estamos perdendo território nos últimos anos. As propriedades acabam tendo produção inviabilizada, os filhos não conseguem ampliar o território e saem pra cidade. É preciso um processo de expansão da área ocupada pelas famílias camponesas e isso só se faz com reforma agrária”, argumenta.

Em paralelo à luta pela justiça fundiária, é preciso investir em reflorestamento de espécies nativas, tarefa que os camponeses e agricultores familiares querem assumir, mas que esbarram na timidez do programa Reflorestar, conta Valmir Noventa.

“Na época em que foi implementado o programa, houve interesse dos agricultores e por parte do Estado uma movimentação para dar atendimento a eles”. Com o tempo, no entanto, as pessoas cadastradas não foram contratadas e o programa desapareceu do campo, pelo menos na região que mais carece de reflorestamento, que é acima do Rio Doce.

E entre os que conseguiram, como ele, as dificuldades de ordens diversas indicam que os 10 mil hectares contabilizados pelo Estado talvez não estejam efetivamente reflorestados. “O dinheiro pago ajuda bastante, mas não é suficiente para cuidar do plantio. Não basta colocar a muda na terra e esperar chover pra ela crescer. Tem que fazer muito replantio. A manutenção é o tempo todo”, descreve. Há ainda casos como o dele, que não chegou a receber a última das quatro parcelas do programa. “Devia ter sido paga desde o início de 2019. Não sei o que aconteceu, não sei se é um caso isolado”.

Aliança campo-cidade 
Para Valmir, é preciso uma aliança campo-cidade para reivindicar políticas públicas robustas de reflorestamento. Aliança que pode ser construída e fortalecida em instâncias já existentes, como o Fórum Capixaba de Combate às Mudanças Climáticas Globais, além dos conselhos municipais e estaduais da área ambiental, que devem reunir a sociedade civil organizada, por meio de ONGs, sindicatos, movimentos e coletivos do campo e da cidade.

“Nos próximos 50 anos a crise climática tende a piorar. Precisa ter uma aliança de todos esses setores e focar na solução desse problema, que é urgente e precisa de uma resposta do Estado e da sociedade”, conclama.

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