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Um ano de lutas no campo em defesa da agroecologia

Necessidade de políticas para agricultura familiar e de alimentação saudável foi evidenciada no 2020 da pandemia

Nenhuma retrospectiva de 2020 pode deixar de lado a pandemia e seus impactos. Foram muitos pontos a serem revistos a partir do novo coronavírus. Entre eles a necessidade de cuidado com a natureza para evitar novas doenças e a importância de se alimentar bem e manter o organismo forte para enfrentar enfermidades.

No jogo de interesses do capitalismo contemporâneo, porém, as crises se tornam oportunidades de grandes negócios, deixando pouco ou nenhum espaço para os “pequenos” e os pobres. No campo e na agroecologia, o ano pandêmico foi então de repensar ações e reforçar as lutas.

A primeira delas é a luta pela terra. Na região de Sapê do Norte, em Conceição da Barra e São Mateus, o final do ano teve mais uma retomada de território por parte da população quilombola, no caso, na comunidade de Angelim III. Apesar do reconhecimento dos territórios, a demora na titulação pelo Governo Federal, que em alguns casos leva cerca de 15 anos, vem deixando as comunidades tradicionais em situação vulnerável e com sua sobrevivência ameaçada , tanto pelo avanço do monocultivo do eucalipto com seus impactos socioambientais, como pela chegada de novos posseiros em áreas devolutas, que também têm invadido o território tradicional.

Outro grande expoente da luta pela terra no Brasil é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Neste ano, a luta foi por manter os acampamentos onde famílias vivem e produzem alimentos, sobretudo em áreas que eram dominadas pelo monocultivo de eucalipto, como o Acampamento Índio Galdino, surgido em 2005, mas que este ano completou quatro anos de existência em Jacupemba, Aracruz, após despejos em outras localidades. Mais ao norte, entre Pinheiros e Conceição da Barra, 130 famílias se livraram de terminar o ano sem um lar após o adiamento por três meses do despejo do Acampamento Fidel Castro. Segundo o MST, há cerca de uma década que o Espírito Santo não tem um novo assentamento.

Por conta disso e diante da inoperância do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e do Governo Bolsonaro, em 2020, o MST tem aumentado a pressão sobre o Governo Estadual pela criação de assentamentos a nível estadual, como ocorreu sobretudo no fim dos anos 80 e início dos 90. Diante da pandemia, o movimento lançou também o Plano Emergencial de Reforma Agrária Popular, com quatro eixos: acesso à terra e trabalho, produção de alimentos saudáveis, proteção da natureza e condições de vida digna no campo

Todas elas, há de se destacar, possuem uma ligação intrínseca e se conectam no projeto de fomento da agroecologia. Um dos principais embates está no combate ao uso de produtos químicos, os agrotóxicos, na agricultura, que oferecem riscos diretos ao trabalhador do campo e atingem de forma indireta todos que consomem esses alimentos. No Estado, pesquisas divulgadas no início de 2020 mostraram que os municípios do sul são os campeões no uso de glifosato e que o Paraquat, proibido no final do ano passado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), era o segundo agrotóxico mais usado no norte.

Apesar das evidências dos impactos negativos dos agrotóxicos, a pressão do mercado do veneno segue com toda força. Em Boa Esperança, foi necessário posicionamento do Superior Tribunal Federal (STF) para arquivar o pedido do Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag) conta a lei municipal que proíbe a pulverização aérea em seu território. Em Nova Venécia, os camponeses tiveram que ir à Câmara de Vereadores para argumentar contra a pulverização por drones, que também fere lei municipal.

Apesar do reforço na produção de alimentos sem veneno, um passo seguinte é a comercialização dos mesmos, que também enfrenta dificuldades. Com a pandemia, movimentos, associações e cooperativas tiveram que rever suas formas de distribuição. Enquanto no início da pandemia os supermercados incrementaram vendas, algumas prefeituras proibiam as feiras livres, o que também foi motivo de questionamentos e protestos. Agricultores ou movimentos mais estruturados investiram também na venda porta a porta para evitar aglomerações, o que pode ser uma tendência que permaneça em alguns casos.

Com o fechamento das escolas, muitos municípios também passaram a usar o recurso da merenda, parte dele destinado a compras de agricultores familiares pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) para compra no setor atacadista, o que provocou protesto, como em São Mateus, onde o prefeito teve que voltar atrás.

Além disso, as cestas básicas distribuídas desde o início da pandemia para famílias que perderam suas rendas apresentam geralmente pouco valor nutricional, o que provocou novas iniciativas da sociedade civil, como o Mutirão do Bem Viver, e do Estado, como o programa AlimentarES, agregando a elas os alimentos saudáveis da agricultura familiar. Movimentos como o MST e Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) também realizaram ao longo do ano, junto à comercialização, doações de parte de sua produção a comunidades urbanas mais vulneráveis diante da pandemia.

Outro momento marcante foi a alta repentina no preço do arroz devido à alta internacional, diante da qual os camponeses mostraram sua importância e compromisso com a soberania alimentar. Por outro lado, o ano também teve notícias tristes como os incêndios, como o caso da propriedade orgânica família Berger em Laranja da Terra, com vários indícios de ação criminosa, e do Sítio Jaqueira, em Alegre, uma importante referência em agroecologia no Espírito Santo. Conhecido pelo trabalho Plantadores de Água, o Sítio Jaqueira teve mutirões e vem utilizando tecnologias de retenção de água para promover o reflorestamento, assim como a comunidade pomerana de Pancas também promove o cuidado com a água fundamental para a agricultura e para a vida. A água também é elemento de disputa política e legal no Espírito Santo,  com um controle do uso que favorece os grandes projetos empresariais em detrimento da agricultura familiar.

Pode-se destacar, ainda, que como ano eleitoral, 2020 serviu para reforçar as estratégias a favor da agroecologia no âmbito municipal. Um levantamento feito pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) mapeou 700 políticas públicas de sucesso a nível municipal e apresentou 36 delas, sendo três do Espírito Santo, como propostas para as candidaturas. No Estado, a mobilização pela assinatura da carta foi feita por meio dos movimentos camponeses, da Articulação Capixaba de Agroecologia (ACA) e da Rede Urbana Capixaba de Agroecologia (Ruca), esta uma novidade lançada neste ano de 2020. A nível estadual, 65 candidaturas assinaram a carta-compromisso, sendo sete destes eleitos, quatro para a prefeitura e três para as câmaras legislativas municipais.

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