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2020: o ano em que a cultura parou?

A coluna CulturArte faz uma retrospectiva do ano atípico para a arte e cultura do Espírito Santo

Vai chegando ao fim 2020, um ano que marcou profundamente o ramo da arte e cultura no Brasil (e também no mundo). Realmente um ano totalmente atípico, em todos os setores devido à pandemia, mas com impacto especial na cultura, que está diretamente ligada à aglomeração humana na maioria de suas atividades, que tiveram que permanecer paralisadas. De fato, podemos ver que a produção e difusão artística e cultural não pararam, mas precisaram se repensar e ressignificar, o que trago aqui em retrospectiva na coluna sobre o que aconteceu no Espírito Santo neste ano.

Cultura popular e carnaval 

Desfile da Boa Vista. Foto: Divulgação

Como sempre, uma das primeiras manifestações culturais é o Ticumbi em Conceição da Barra, que marca a virada e início do ano com sua “explosão de encantamentos“. Uma tradição única do norte capixaba com origens na cultura negra.

No carnaval capixaba, o desfile das escolas de samba no Sambão do Povo teve a Boa Vista como campeã pelo segundo ano consecutivo, com uma homenagem à música capixaba. O segundo lugar ficou com a MUG e em terceiro a Unidos de Jucutuquara.

Na semana seguinte, nas ruas de Vitória, a mostra de que o carnaval de rua continua crescendo, a exemplo de muitas capitais do Brasil. Os blocos trazem diferentes temáticas, usando a ironia e o deboche típicos da festividade para tratar de temas políticos, sociais, ambientais e outros. Uma das novidades do carnaval 2020 foi a organização dos blocos do Centro de Vitória por meio do Blocão, ampliando a pressão e participação deles e da sociedade civil na gestão do carnaval junto à prefeitura. As celebrações no Centro começaram e terminaram com muita chuva, tendo um épico fim.

Pandemia e paralisação 

Sesc Glória. Foto: PMV

Depois do carnaval, o mês de março entrava naquela aparente necessidade de retornar à normalidade. Mas não foi o que aconteceu, pelo contrário. A chegada da pandemia do novo coronavírus lançou o mundo a buscar o tal “novo normal”, isolamento social, menos interação e fim de atividades que provocassem aglomerações.

Para o setor cultural o baque foi forte. Espaços culturais, cinemas, festivais, museus, lançamentos de livros, shows, festas, tudo ficou em suspenso.

O Sesc Glória, importante espaço cultural na capital capixaba, que já vivia uma política de esvaziamento nos últimos anos, demitiu praticamente toda equipe de cultura e anunciou que fecharia as portas até o fim do ano. O futuro em 2021 ainda parece incerto.

Epidemia de ‘lives’ 

Diante da impossibilidade de reunir pessoas, os primeiros momentos de pandemia foram sucedidos de uma onda de lives, vídeos ao vivo dos artistas pelas redes, buscando manter-se ativos, divulgar seus trabalhos e conseguir arrecadar doações dos fãs. Aconteceram também o Festival Fico em Casa ES e o Festival Autoral Pandêmico, contribuindo para manter o isolamento e difundir a arte durante o período de quarentena. O formato das lives foi se desgastando, ressignificando, mas continua acontecendo em menor escala.

Também começaram a acontecer apresentações online de teatro, artes plásticas e outros. Os festivais de cinema suspenderam suas realizações de início diante do ambiente de incertezas e acabaram optando por edições online, que se concentraram sobretudo no segundo semestre.

Lançamentos continuam 

Caê Guimarães. Foto: Fabricio Zucoloto

Depois do baque inicial, artistas e espaços foram buscando se adaptar ao momento sem aglomerações. A produção cultural não parou. Entre os lançamentos musicais do ano estiveram o EP de André Prando, os discos de Yuri Guijansque e Celio Paula e João Bernardo e o songbook de Carlos Papel. Outra feliz novidade foi o retorno de Elias Belmiro, importante violonista que conseguiu se recuperar da dependência química e sair da situação de rua, voltando a tocar.

Na literatura, a Quarentena Crônica reuniu escritos de mulheres capixaba sobre o impacto do isolamento social. Também lançaram livros, Lillian Meneguci, Carlos Fonseca, Marília Carreiro, Stel Miranda, Francis Kurkievcz, Isabella Mariano, Carlos Abelhão, entre outros. A Editora Cousa fechou seu bar-café mas estreou uma Kombi Literária para realizar venda e lançamentos de livros a céu aberto. Outro escritor do Espírito Santo, Caê Guimarães, conquistou o Prêmio Sesc de Literatura, de grande importância a nível nacional, com seu primeiro romance, Encontro você no oitavo round.

No cinema, estreou o filme de maior orçamento da história do cinema capixaba: O Cemitério das Almas Perdidas, produção de terror do consagrado cineastas de Guarapari, Rodrigo Aragão. Uma capixaba, Edileuza Penha de Souza, conquistou prêmio no Festival É Tudo Verdade, mais importante do gênero do documentário, pelo filme Filhas de Lavadeiras. O ano também teve lançamento de curta-metragens como Inabitáveis, de Anderson Bardot, Amargo Rio Doce, de Ricardo Sá, 90 Rounds, de Juane Vaillant, Live, de Adriano Monteiro, e Bestiário Invisível, de Tati Rabelo e Rod Linhales.

Lei e editais emergenciais tentam aliviar impacto


Como se disse, a cultura foi a primeira a parar e será possivelmente a última a voltar às atividades com a pandemia. O impacto na renda dos espaços culturais e, sobretudo, dos artistas, produtores e técnicos se sentiu rapidamente. No Espírito Santo, a Secretaria de Estado da Cultura (Secult), lançou um edital emergencial, um dos primeiros do país, que ofereceu um auxílio em dinheiro em troca de apresentações ou oficinas culturais pela internet.

Tempos depois, a Secretaria Municipal de Cultura de Vitória (Semc) seguiu o mesmo caminho e lançou um edital emergencial, que atrasou e causou polêmica, agora corre-se contra o relógio para executá-lo antes da troca de gestão. Outra novidade na capital foi o retorno da Lei Rubem Braga, de incentivo cultural no município, depois de anos paralisada. Em Cariacica, os editais da Lei João Bananeira chegaram a ser suspensos no início da pandemia, mas, por fim, foram realizados com recursos reduzidos.

A nível nacional, o grande foi debate este em torno da Lei de Emergência Cultural, depois nomeada Lei Aldir Blanc, em homenagem ao cantor e compositor falecido em decorrência da Covid-19. O projeto de iniciativa de deputados de oposição e sociedade civil conseguiu destinar recursos federais à cultura que estavam paralisados com intuito de distribuir a todos estados e municípios do Brasil. No total foram R$ 3 bilhões, sendo R$ 60 milhões para o Espírito Santo. Porém, nos últimos dias do ano, os gestores ainda pressionam para que o Governo Federal amplie o prazo de execução que termina dia 31 de dezembro, para que o recurso que ainda não pode ser empenhado não volte ao caixa do Tesouro Nacional. A Lei também ajudou a impulsionar a criação de conselhos e fundos municipais de cultura em municípios que ainda não tinham.

Mobilizações, tombamentos, inaugurações 

Centro Cultural Carmélia. Foto: Reprodução/ TVE

A luta pela Lei Aldir Blanc foi uma das primeiras mobilizações do setor cultural durante a pandemia, com realização de webconferências a nível estadual e municipal para cobrar os gestores. Mas também houve outras reivindicações que apareceram ao longo do ano.

Uma das mais marcantes foi contra a destinação do Centro Cultural Carmélia Maria de Souza, em Mário Cypreste, Vitória para servir de armazém de produtos agrícolas. O local foi um espaço marcante para a efervescência cultural, sobretudo entre o fim dos anos 80 e o início dos 90, porém se encontra em estado de abandono pela prefeitura.

A mobilização de artistas e autoridades pelas redes e também com um ato presencial durante a pandemia, contra o fechamento e pela revitalização do Carmélia, ressoou em Brasília e fez o Governo Federal recuar da ideia, que estava vinculada à venda dos galpões do IBC em Jardim da Penha, outro tema que tem mobilizado moradores e artistas para que o local atenda aos interesses da comunidade e da sociedade em geral. Foi realizado um tombamento provisório do IBC para evitar que sua estrutura possa ser demolida. Outro alvo de tombamento foram os Armazéns do Porto de Vitória.

O ano ainda traz como marca a reinauguração da Ruínas da Igreja de São José de Queimado, na Serra, palco da mais importante rebelião contra a escravidão no Espírito Santo. O Museu de Arte do Espírito Santo Dionísio del Santo (MAES) reabriu depois de quatro anos de reforma no Centro de Vitória, ainda que em formato híbrido e com restrições nas visitas presenciais. Outra novidade foi o novo espaço inaugurado pela galeria de arte contemporânea OÁ, também em Vitória.

Eleições e novos rumos? 

O ano de 2020 também marcou reformulações e possíveis novos rumos para a política cultural. No âmbito estadual, foi eleita e tomou posse a nova gestão do Conselho Estadual de Cultura (CEC), com representação do poder público e sociedade civil e responsabilidade de servir como espaço consultivo e normativo para políticas culturais. A eleição pôs fim à gestão que já estava vencida e seguia depois de impasse no formado da nova eleição, que se arrastava desde meados de 2019.

No caso do pleito eleitoral municipal, prevaleceu a renovação nos maiores municípios do Espírito Santo. Em Vila Velha, provocou polêmica o fim da secretaria exclusiva de Cultura, conquistada com muita luta pela classe artística do município na gestão de Max Filho (PSDB). O novo prefeito, Arnaldinho Borgo (Podemos), anunciou que a pasta ficará dentro da Secretaria Municipal de Turismo, Esporte e Cultura, tendo à frente Paulo Renato Fonseca Júnior, ligado ao turismo, e como subsecretário de Cultura o produtor cultural Manoel Goes.

Em Vitória e Cariacica, que vinham aplicando políticas culturais de forma mais consistente, a preocupação é que haja retrocesso e fim das secretarias exclusivas, o que pode enfraquecer a gestão, além de receio sobre quais nomes seriam indicados por Lorenzo Pazolini (Republicanos) e Euclério Sampaio (DEM), mais à direita que seus antecessores. Na Serra, único dos quatro maiores municípios que não tinha uma Secretaria de Cultura, ainda não foram anunciados os planos para o setor pelo prefeito eleito Sérgio Vidigal (PDT), que realizará seu quarto mandato no executivo municipal.

Nas cidades de médio porte, uma novidade foi o anúncio do jornalista, professor e escritor Adilson Vilaça como secretário de Cultura e Turismo de Colatina. Em polos culturais importantes no âmbito cultural como Linhares, São Mateus, Cachoeiro de Itapemirim, Guarapari e Conceição da Barra, os prefeitos foram reeleitos e a expectativa é que haja continuidade nas atuais políticas.

Perdas importantes 

Sérgio Blank. Foto: Cláudio Postay

Entre os que se partiram neste anos de tantas mortes, alguns causaram grande comoção entre os fazedores e entusiastas da cultura no Espírito Santo. Entre eles Dona Laura Felizardo, considerada “matriarca da cultura bantu”, no Estado, Sérgio Blank, um dos mais importantes poetas contemporâneos, que foi encontrado morto em circunstâncias ainda não esclarecidas pela polícia, e o produtor cultural Rike Soares, que marcou época na organização de shows e festas com a produtora Antimofo. No final do ano, um crime em Itaúnas tirou a vida do professor de capoeira Cuarassy Medeiros Del Nery, sendo que o assassino Tiago Passos Vianna, continua em liberdade.

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